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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Seca severa gerou mudança em método de grilagem de terra, analisa especialista: ‘Tacar fogo é mais simples’

Avião combatendo focos de incêndio atingem áreas do Parque Nacional de Brasília no final de semana - Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Especialista lembra que combate ao fogo é ‘complexo’ e não é uma incumbência apenas do governo federal

Ouça o áudio:

Os números de combate ao desmatamento, especialmente na Amazônia, têm sido expressivos nesta terceira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chegando a reduzir em 21% a derrubada de árvores no bioma em 2023, em comparação com o ano anterior.

No entanto, esse avanço não se converte, no momento, numa preservação da floresta. Os focos de calor aumentaram em 149% na comparação entre agosto de 2023 e de 2024, segundo dados do Mapbiomas.

Para Ane Alencar, Diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os dados não são contraditórios e, na verdade, apontam uma nova realidade perante os impactos das mudanças climáticas, que têm gerado uma “seca severa e prolongada” nos últimos anos.

Alencar ressalta que sem o combate ao desmatamento, a situação poderia ser pior. No entanto, não isenta o governo federal pela dimensão que o fogo atingiu nas últimas semanas.

“Eu vejo que atualmente o MMA [Ministério do Meio Ambiente] está tentando trocar a roda do carro com o carro andando, porque está sendo muito demandado numa articulação que, na realidade, precisa ser feita com outros ministérios”, afirma em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (18)

“Se eu tiver que falar o que eu acho que precisa ser feito, realmente precisa ter uma coordenação maior entre todas essas instituições, precisa trazer a força dos outros ministérios para essa agenda, porque a gente está falando de combater o fogo em diversas frentes”.

A especialista lembra que o combate ao fogo é “complexo” e não é uma incumbência apenas do governo federal, principalmente quando acontece em áreas privadas.

“A competência de combater o fogo em áreas privadas é, na realidade, dos governos estaduais através dos Corpos de Bombeiros. Assim como nas terras federais, [a responsabilidade] é do Ibama e ICMBio.”

Ane Alencar cobra mais diálogo dos governos com a população para conscientizar contra a prática de atear fogo neste momento, mesmo em situações permitidas por lei.

Mas a especialista ressalta que “a gente [Ipam] tem visto muita ação criminosa se aproveitando das condições que o clima tem oferecido para que esse crime do incêndio aconteça.”

Segundo Alencar, essa condição climática adversa que vem se estabelecendo nos dois últimos anos de uma seca severa, principalmente na Amazônia, gera uma mudança na forma que criminosos ambientais tem atuado para, por exemplo, grilar terras.

“Principalmente em terras públicas, principalmente grilando terras públicas, já que o desmatamento em si, a operação do desmatamento, é muito mais fácil de ser monitorada e de atrair os fiscais a irem até lá fazer a preensão, etc, enquanto que tocar fogo numa floresta daquela região, que tá sendo favorecido pelo clima, é muito mais simples e menos arriscado.”

Confira a entrevista na íntegra  

Qual o cenário que gerou esse caos climático que estamos passando?

Nós já tivemos outros momentos na história recente do Brasil com um número de focos de calor, que representa a atividade de fogo, tão alto ou até mais alto que este.

A diferença é que eles aconteciam num contexto totalmente diferente, num contexto com um desmatamento muito alto, normalmente só na Amazônia, e hoje a gente está vendo um país em chamas basicamente.

A gente está vendo várias regiões do Brasil sofrendo com essa questão das queimadas e dos incêndios.

Por que o desmatamento está decrescendo, mas os focos de calor subindo neste patamar?

Na realidade, o desmatamento e o fogo andam juntos. Só que a gente tem visto um descolamento dessas duas práticas recentemente e esse descolamento está sendo propiciado pelas condições climáticas.

Com o desmatamento reduzindo, significa que nós, talvez, se tivéssemos num clima com as condições médias, com mais umidade no ar, nós não teríamos tantos incêndios acontecendo, teríamos uma redução da atividade de fogo.

O que a gente tem visto é que do ponto de vista do uso do fogo para práticas agropecuárias, as pessoas reduziram a prática de desmatamento, mas ainda existem muitas pessoas utilizando o fogo para renovar pasto, por exemplo.

E a área de pasto do Brasil é muito grande, assim como, por exemplo, na Amazônia, um pouco mais de 90% de tudo que está desmatado na região são pastagens e as pastagens são normalmente extensivas, em que as pessoas usam o fogo para renovar essa pastagem.

Então mesmo o desmatamento reduzindo não significa uma redução da atividade de fogo diretamente porque as pessoas também usam o fogo nas áreas de pastagem.

Agora, reduzir o desmatamento ajuda muito, porque imagina se nós tivéssemos, além do uso do fogo na área de pastagem, o uso do fogo em uma área desmatada muito maior que a gente está tendo agora?

Então qual é a responsabilidade do governo federal diante de toda essa crise?

A questão do combate ao fogo é muito complexa. Ela é complexa porque ela está relacionada a várias competências, que não são só as competências do governo federal, das agências federais que lidam com o tema.

Primeiro vamos falar de prevenção ou de um uso controlado do fogo. Então, teoricamente, para as práticas agropecuárias, para o uso do fogo nas práticas agropecuárias, o produtor rural tem que pedir licença e ele vai pedir licença para os estados, que são os responsáveis por fiscalizarem se esse produtor pode ou não fazer essa prática.

No que diz respeito às áreas públicas, tanto o Ibama quanto o ICMBio auxiliam na prevenção, no apoio a brigadas comunitárias que vão nas áreas públicas fazer esse trabalho de prevenção

Isso da parte da prevenção. Aí a gente ainda tem a questão do crime, porque o fogo, infelizmente, ele não é ateado no Brasil somente para as práticas agropecuárias, ele utilizado também como uma arma criminosa como, por exemplo, para a invasão de terras.

Aqui no Ipam, nós mapeamos que houve um aumento muito grande das áreas queimadas em florestas públicas não destinadas, que são áreas públicas e que na realidade demonstra claramente o uso do fogo na perspectiva da grilagem.

Sobre o combate, ele também tem competências diferentes. A competência de combater o fogo em áreas privadas é na realidade dos governos estaduais através dos corpos de bombeiro. Assim como nas terras federais é do Ibama e ICMBio.

Aí você pensa num país como o Brasil, onde grande parte da região centro-sul já está a destinar. Ela é ocupada prioritariamente por áreas privadas. A competência de combate ao fogo ali, no primeiro momento, seria dos governos estaduais dentro das agências. Às vezes não são só os bombeiros, é junto com a defesa civil, a polícia ambiental, etc.

Mas é pouco. É muito pouco efetivo tanto do governo estadual quanto do governo federal para o combate, porque a gente está trabalhando já no problema, no fogo que escapa, não na prevenção.

E eu vejo que atualmente o MMA está tentando trocar a roda do carro com o carro andando, porque está sendo muito demandado numa articulação que, na realidade, precisa ser feita com outros ministérios.

Se eu tiver que falar o que eu acho que precisa ser feito, realmente precisa ter uma coordenação maior entre todas essas instituições. Precisa trazer a força dos outros ministérios para essa agenda, porque a gente está falando de combater o fogo em diversas frentes. Na frente da produção agropecuária, na frente do crime, na frente do combate mesmo ao fogo.

Vimos que o governo conseguiu conter o incêndio que atingia o Parque Nacional em Brasília. Te parece que a situação nacional está sendo contida?

O que assusta é que a gente está passando por isso de forma concentrada em várias regiões do Brasil e sem saber da perspectiva de melhora das condições climáticas.

Porque, Idealmente, em outubro as chuvas começariam e uma parte do Brasil já estaria livre das chamas. Mas a gente não sabe, na realidade, se realmente isso vai acontecer ou se a gente vai ter um outubro como outubro do ano passado, principalmente para a Amazônia, que a chuva não veio.

É muito difícil planejar quando tem esse elemento surpresa, que é o elemento clima.

E eu imagino que o que nos resta é a questão realmente da responsabilização, para conseguir coibir ou desestimular essas pessoas que estão usando fogo de forma criminosa.

E também um chamado, um chamamento da sociedade para que realmente pare de usar o fogo nesse momento em que a paisagem está super inflamável.

Então mais do que medidas de curto prazo precisamos de ações de médio e longo prazo? Para evitar que esse cenário se repita?

Olha, eu diria que a gente precisa de curto prazo. A gente está vivendo uma crise, então nós precisamos de curto prazo, nós precisamos de todo efetivo disponível, de todas as pastas ministeriais relacionadas, que podem estar relacionadas de alguma forma ao tema, envolvidas, para tentar que realmente a gente consiga fazer frente à questão da criminalidade e à questão do uso do fogo de forma descontrolada.

O outro aspecto é punir aquelas pessoas que realmente atearam fogo em sua propriedade. Como, por exemplo, do suspender o CAR [Cadastro Ambiental Rural] da pessoa. Acho que algumas dessas medidas que possam fazer com que pelo menos a pessoa se preocupe mais e tente manter o fogo fora das suas áreas.

Agora, nas áreas públicas, isso é mais complicado, porque não tem um dono, não tem um CPF. E aí, nessas áreas, realmente é reforçar o poder de polícia, as estratégias de comando e controle, uma fiscalização inteligente para realmente coibir o crime e, principalmente, o crime organizado, que parece estar se fazendo, utilizando esse período de seca para avançar nas suas atividades.

Em 2019 foi revelado uma articulação de fazendeiros para realizar o que ficou conhecido como Dia do Fogo. Você acredita que hoje estamos vivendo isso só que eu maiores proporções?

Olha, é muito difícil afirmar, porque realmente nós temos focos de fogo sendo iniciado por diversos motivos, mas eu não diria que essa não é uma possibilidade. Uma possibilidade de, em alguns lugares, pessoas estarem usando o fogo de forma coordenada para cometer crimes.

Principalmente em terras públicas, principalmente grilando terras públicas, já que o desmatamento, em si, a operação do desmatamento, ela é muito mais fácil de ser monitorada e de atrair os fiscais a irem até lá fazer apreensão, etc, enquanto que tocar fogo numa floresta daquela região, que tá sendo favorecido pelo clima, é muito mais simples e menos arriscado.

www.brasildefato.com.br/Lucas Weber

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