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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Racismo institucional e o fracasso da lei de cotas para pessoas negras em concursos

A população negra não precisa de sorte, precisa que o MIR proteja todos os seus direitos - Marcelo Camargo / Agência Brasil
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Inércia do Ministério da Igualdade Racial agrava problema

O Observatório das Políticas Afirmativas Raciais (Opará), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), tem se destacado como um grupo de pesquisa que realiza análise da implementação da Lei nº 12.990/2014 de forma sistemática e profunda. Foi assim com a publicação do relatório “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes”, divulgado em março de 2024, em Brasília. Foram 3 anos de planejamento e execução deste trabalho, que se refere à reserva de vagas para pessoas negras em concursos.

O relatório traz evidências seguras de como mecanismos de burlas foram criados para alcançar a máxima ineficácia da norma, o que de fato aconteceu. Em 2021, o Relatório do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) já havia apresentado o dado emblemático que traduz bem a realidade da ineficácia: de cada 1.000 pessoas negras potenciais beneficiária da reserva de vagas estabelecida na Lei nº 12.990/2014, apenas 5 tomaram posse no cargo mais almejado do concurso no período, Magistério Superior (docentes das universidades públicas federais). O racismo institucional venceu!

Uma (in)eficácia de 0,53% não pode ser endereçada ao acaso, um triste acaso. Houve método para se alcançar esse resultado. O relatório do Opará detalhou os métodos e trouxe os elementos probatórios para evitar, em tempos de narrativas, a construção de argumentos que jogassem para o acaso a responsabilidade pelo fracasso da implementação da lei. Considerando que a lei continua em plena vigência, por conta da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 7654 (ADI 7654), ação que nasceu em uma discussão entre o Opará e a Educafro, é razoável afirmarmos que as fraudes continuam.

Um dos (seis) mecanismos de burla foi denominado de Fracionamento de Elegível (FE). No que consiste esse fracionamento que colabora, ao lado de outros 5 mecanismos, com a máxima ineficácia da norma? Sua inteligibilidade é juvenil, quase infantil. A Lei nº 12.990/2014 diz que todas as pessoas negras que se autodeclaram como negras, no ato da inscrição, têm direito de participar da reserva de vagas (art. 2º). O FE escolhe, geralmente por sorteio (palavra sorteio grifada remete a vídeos do YouTube que registram a prática) aquela pessoa negra que terá e aquela pessoa negra que não terá o direito de participar da reserva de vagas. Uma ilegalidade abismal.

A outra forma de expressão do FE é também juvenil, já infantil. A Lei nº 12.990/2014 estabelece que todos que se autodeclaram como pessoas negras têm direito de participar da dupla porta de entrada: ampla concorrência, concorrendo com os não cotistas, e a reserva de vagas, concorrendo apenas entre as pessoas negras (art. 3º). No FE está estabelecido que as pessoas negras poderão concorrer apenas à reserva de vagas.

Algumas análises do Opará têm percebido que, do ponto de vista prático, tem ocorrido 4 situações quando às instituições fazem sorteio: 1) a área sorteada tem candidatura negra, mas ela não é aprovada; 2) a área sorteada não tem candidatura negra inscrita, ela está em outra área não sorteada; 3) a área com candidatura negra inscrita e aprovada, não foi sorteada; 4) candidato aprovado da área sorteada, não é o destinatário legítimo da reserva (com a melhor classificação no cargo – art. 3º da Lei nº 12.990/2014).

Pelo menos nos casos de 2, 3 e 4, essa situação poderia ter sido evitada, garantindo maior eficácia da norma, que é o que ocorre quando não se usa nenhum dos mecanismos de burla (ou fraude para acompanhar o termo cunhado pelo Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento da ADC 41). Por qual motivo chegamos até aqui, explicando com didática essa fraude?

O que o Opará não imaginava é que o ministério responsável por garantir a máxima eficácia da norma se tornou coparticipe da manobra que garantiu a ineficácia da lei de cotas. Sim!

A fim de orientar o Ministério da Ciência e Tecnologia sobre as melhores práticas de implementação da Lei nº 12.990/2014, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) orientou a realização de sorteio. Em outros termos, anunciou à branquitude que “Na hipótese de não haver número de candidatos negros aprovados suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência […]” (art. 3º, § 3º, da Lei nº 12.990/2014). Para o MIR, não basta o direito, é preciso sorte!

De forma estranha ao Estado Democrático de Direito e a racionalidade esperada de um ministério que deveria proteger os direitos da comunidade negra, a Diretoria de Políticas de Ações Afirmativas (DPA), da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo (SEPAR), do Ministério da Igualdade Racial (MIR) emite a Nota Técnica nº 62/2023 orientando o sorteio. Sim, o MIR orientou o sorteio ao MCTI. Sem nenhuma evidência (para o Opará ela importa), apontam que seguem um modelo bem-sucedido de 2 universidades que, diante de cargos com especialidades, é melhor fazer o sorteio. Mesmo se isto fosse verdadeiro, deveria ponderar o fracasso desta ilegalidade nas outras universidades. Dez anos de fracasso, evidenciado em relatório do MMFDH, não foi o suficiente para imprimir inteligência ou justiça social, apreço ao Estado Democrático de Direito.

Também nos estranha que até o presente momento o MIR não tenha feito nenhuma sinalização a uma proposta defendida pelo Opará: a reparação de todas as vagas subtraídas pelo uso dos mecanismos de burla. Duas universidades já demonstraram que isso é possível e necessário. A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Essa última teve proposição do Opará aprovada pelo Conselho Universitário sem nenhum voto contrário. Se isto representar um insulto para o MIR, importante ler o que a Advocacia Geral da União (AGU) respondeu a iniciativa da UFPel por meio do Parecer n. 00001/2024/CFEDU/SUBCONSU/PGF/AGU. O MIR poderia prestar atenção nas seguintes passagens:

“Além desses estudos, mais um relatório baseado em evidências, “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes” traz a análise dos últimos editais publicados por 61 (sessenta e um) órgãos federais. Na tentativa de responder o que explicaria a baixa eficácia na implementação da Lei de Cotas Raciais, chegou-se a evidências que demonstram mecanismos de burla (intencionais ou não) à aplicação da lei”. [relatório do Opará]

E finaliza o parecer dando a seguinte orientação:

“Pelo exposto, entende-se possível a oferta de vagas reservadas para negros nos concursos públicos seguintes realizados pela Universidade Federal de Pelotas em percentual superior a 20% (vinte por cento), desde que não ultrapasse o percentual de 30% (trinta por cento), com o objetivo específico de compensar a frustração de provimentos anteriores motivada pela equivocada aplicação dessa política no âmbito da referida Universidade, isso enquanto vigente a política pública em questão.”.

Se o MIR desejar conhecer nossa proposta de reparação e ouvir relato de nossas discussões com o Tribunal de Contas da União (TCU) e com outras instituições, que estão dispostas a reparar, nos colocamos à disposição. Mas, primeiro, precisam urgentemente revogar a Nota Técnica nº 62/2023 que, ao recomendar sorteio, sinaliza aos negros: boa sorte.

Para colaborar no entendimento, sugerimos a leitura da Recomendação nº 11/2021 – MPF/PRDC/SE, onde o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a Universidade Federal de Sergipe (UFS) deixasse “[…] de adotar método que submeta a efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a um critério de ‘sorte’ (…)”. O documento, assinada pela Procuradora Regional dos Direitos do Cidadã, Dra.  Martha Carvalho Dias de Figueiredo.

A população negra não precisa de sorte, precisa que o MIR proteja todos os seus direitos!

* Anibal Livramento da Silva Netto é professor doutor na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e integrante do Opará (Observatório das Políticas Afirmativas Raciais).  

* Ana Luisa Araujo de Oliveira é professora doutora na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e líder do Opará (Observatório das Políticas Afirmativas Raciais). 

* Roberto dos Santos é estudante de mestrado na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e integrante do Opará (Observatório das Políticas Afirmativas Raciais). 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

www.brasildefato.com.br/Ana Luisa Araujo de Oliveira, Anibal Livramento da Silva Netto e Roberto dos Santos

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