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/ segunda-feira, novembro 25, 2024
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Enchentes no RS: é preciso sim buscar os culpados pela tragédia

Trecho da BR-386 totalmente destruído pela força das águas do Rio Taquari, em Lageado: cidade está isolada - AFP
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Emergência exige que vidas sejam salvas, mas é impossível fugir da responsabilização

Ouça o áudio:

O boletim desta quinta-feira (09) à noite da Defesa Civil do Rio Grande do Sul dá conta que pelo menos 1,7 milhão de pessoas foram atingidas pelas enchentes e inundações que afetam o estado. A tragédia climática que assola 80% das cidades do RS já conta 107 mortos e 134 pessoas desaparecidas. Neste fim de semana, a previsão é de que a chuva forte volte à região, o que pode contribuir para agravar o cenário.

As chuvas, que começaram no dia 29 de abril, foram previstas por institutos de meteorologia com pelo menos uma semana de antecedência. A resposta ao perigo anunciado, no entanto, foi incapaz prevenir a tragédia. A edição desta semana do podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, vai esmiuçar as responsabilidades por esta que é pode se tornar a maior tragédia socioambiental já ocorrida no país.

Para isso, o Três por Quatro convidou Suely Araújo, especialista-sênior em política pública do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). José Genoino, ex-presidente do PT e comentarista fixo do podcast e os jornalistas da redação do Brasil de Fato Nara Lacerda e Igor Carvalho integram o time de analistas. O programa contou ainda com a participação de Kátia Marko, editora do Brasil de Fato RS, que deu aos ouvintes um panorama da situação in loco.

Para Suely, não há dúvidas de que no momento a “prioridade máxima são as pessoas, e conseguir que elas estejam em um local seguro”. No entanto, é preciso sim, buscar os responsáveis pela falta de preparação para tragédias ambientais que são anunciadas há anos por especialistas em clima.

Diante da catástrofe, Suely evidencia que o governo estadual, capitaneado por Eduardo Leite (PSDB) flexibilizou “toda a legislação ambiental e o código ambiental do estado, com mudanças estruturais nas áreas de unidades de conservação”, além de facilitar “a mineração”, destacou.

A tragédia atual ocorre oito meses após os danos causados pelo ciclone extratropical que atingiu o estado em setembro de 2023. Apesar de todas as perdas sofridas à época, pouco foi feito para mitigar riscos. O atual quadro mostra a falta de preparo e a alocação insuficiente de recursos públicos pelo governo local para a prevenção de futuras enchentes e inundações.

Depois das calamidades de 2023, o governador Eduardo Leite (PSDB) destinou apenas R$115 milhões para o enfrentamento às catástrofes ambientais, o que representa menos de 0,2% do orçamento total do Rio Grande do Sul. O valor destinado a equipar a Defesa Civil estadual é mais chocante: foram R$50 mil para reparos e compras de equipamentos, bens e acessórios.

A prefeitura de Porto Alegre, comandada por Sebastião Melo (MDB), por sua vez, não destinou qualquer valor para a prevenção de enchentes, mesmo havendo R$429 milhões nos caixas da capital gaúcha.

Suely aponta que existe uma espécie de “ignorância” sobre a importância da legislação ambiental, para pelo menos minorar os efeitos desse tipo de ocorrência. “Se estivéssemos com todas as áreas de mata ciliares com vegetação nessa região, ainda teria inundação, mas você conseguiria pelo menos amenizar”, explica.

De acordo com José Genoino, a catástrofe é “produto do modelo de desenvolvimento do capitalismo monopolista, financeirizado, cujo teto de gasto é o deus do mercado”.

O ex-presidente do PT ainda aponta que a proposta de uma taxação mais justa poderia ajudar em situações de calamidade pública. “Os mais ricos vão pagar uma taxa ou imposto pela recuperação, os bilionários também têm que pagar um preço por isso, além da responsabilidade dos governantes.”

Tragédia anunciada

Kátia Marko, editora do Brasil de Fato RS, afirma que apesar do histórico de inconstância climática na região, as chuvas, os impactos que ela vem causando e a postura do poder público local, formam “uma situação nunca vivida no Rio Grande do Sul”.

Segundo a jornalista, o estado de calamidade pública é de uma “tragédia anunciada, fruto de escolhas políticas, da ausência do Estado, do sucateamento dos órgãos do estado, do não investimento nas defesas civis, do não investimento no plano de contenção das enchentes. É fruto de uma política de destruição e de desmatamento”, disse.

Suely reforça as condições que já eram de conhecimento das autoridades e representantes locais. “Os maiores cientistas do mundo nessa área avisam sobre a questão da intensificação dos eventos extremos […]. Eles vêm mais intensos e com maior frequência. Isso é avisado desde a Rio 92″, lembra.

Diante do quadro, Suely destaca que “estamos em um estágio em que teremos que trabalhar para minorar a emissão de gás de efeito estufa e para reduzir o aquecimento global“. Ela reitera que, apesar dos altos custos financeiros desse esforço, não há alternativa. “O outro cenário é o da tragédia, igual ao que nós estamos vendo no Rio Grande do Sul”.

As condições do sul do país são retratos de uma condição global, explica a ex-presidente do Ibama. “Essa realidade está muito intensificada com as mudanças climáticas […] Ao mesmo tempo em que há uma tendência para mais pluviosidade na região Sul e na Bacia do Prata, nós estamos vendo a tendência para redução do volume hídrico na Bacia Amazônica e vendo isso também no Pantanal […] Quando você olha o mapa, tem uma mancha azul em cima do Rio Grande do Sul, indicando chuva […] você não sabia quando viria, mas sabia que era tendência com o aumento da temperatura global, e que aquela região teria problemas nesse sentido.”

Suely acrescenta ainda a necessidade de o Brasil elaborar e aplicar políticas públicas que promovam a preservação da vida. “No lugar de descarbonizar, o mundo está se tornando mais emissor ainda de gás de efeito estufa. Inclusive, no caso brasileiro a maior parte das emissões vem de desmatamento, 48% das nossas emissões vêm do desmatamento, e o Brasil é hoje o sexto maior emissor de gás de efeito estufa do mundo”, salienta.

Diante da inércia dos representantes eleitos, somada à postura de minimizar responsabilidades, Genoino questiona a razão pela qual não há a presença de especialistas qualificados em planejamento e implementação de políticas governamentais voltadas para a prevenção de tais calamidades.

“Como é que a situação chegou a este ponto? Porque podia minorar! […] As coisas foram acontecendo em meio a um espontaneísmo irresponsável, não se adotaram medidas preventivas, uma sucessão de improvisos, esvaziamento dos órgãos de controle e de fiscalização, demissão de pessoas. É preciso ter mais Estado, acabou esse discurso do Estado mínimo. Ou você tem Estado para fiscalizar, para punir, para prevenir, ou então vamos para um beco sem saída”, evidencia Genoino.

Políticas públicas e racismo ambiental

Dentro do contexto da tragédia, as pessoas mais afetadas são as de baixa renda, que residem em bairros e cidades mais distantes. Além disso, são eles também os que enfrentam maiores dificuldades para se recuperarem e reconstruírem suas vidas na sociedade.

De acordo com Suely Araújo, o racismo ambiental no Brasil prejudica essa parcela da população. Diante deste quadro, caberia ao governo e instituições públicas garantir qualidade de vida, tendo em vista que este tipo de desastre “atinge distintivamente” diversos grupos sociais”.

A partir desta perspectiva, a especialista reforça o perfil da população que mais sofre. “A população negra, a população periférica, são os pobres. São as mulheres chefes de família, que nessa classe de renda tem um monte. Então a questão climática afeta desigualmente os cidadãos.”

Ela também ressalta como essa conjuntura se amplia para o cenário nacional, fortalecendo a urgência do governo criar medidas para garantir políticas públicas ambientais não só no Sul, mas em todo o Brasil. “Eu tenho que olhar a política habitacional em mundo em crise, em que as encostas podem despencar, em que as palafitas podem ser inundadas pelo aumento do nível do mar. Recife, por exemplo, está entre as 20 cidades do mundo mais suscetíveis ao aumento do nível do mar”.

www.brasildefato.com.br/Letycia Holanda

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