Instituições de ensino do país não cumprem lei que obriga ensino da história afro-brasileira
Pelo menos três casos de racismo entre estudantes de escolas públicas e particulares do Distrito Federal foram denunciados na imprensa durante o mês de abril. Os episódios reacenderam o debate a respeito do combate à discriminação racial no ambiente escolar.
Em um dos incidentes, uma supervisora de um colégio particular de Taguatinga, que também é mãe de uma aluna, foi acusada de ter proferido xingamentos racistas contra uma adolescente de 16 anos.
Para Aline Costa, mestra em Relações Étnico-Raciais e militante do Movimento Negro Unificado (MNU), embora a discussão sobre racismo tenha aumentado e os casos de discriminação tenham ganhado mais visibilidade, o problema permanece.
“Um dos resultados positivos diretos das ações afirmativas foi descortinar o debate sobre desigualdade racial no Brasil. Com o avanço da internet, um debate que era mais acadêmico disseminou para toda sociedade. Porém, isso só tem evidenciado a estrutura racista da sociedade brasileira e não necessariamente combatido ou transformado. O que temos visto, sempre ocorreu, mas agora é considerado um problema social”, afirmou.
O espaço escolar é apontado como o local em que as pessoas mais relatam ter sofrido racismo. É o que indica a pesquisa Percepções sobre o racismo, encomendada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista). Segundo o estudo, 38% das pessoas entrevistadas declararam que já sofreram racismo na escola, faculdade ou universidade. O índice foi maior do que os casos relatados em ambiente de trabalho (29%) e em espaços públicos (28%).
“Estudantes negros têm se sentindo mais empoderados, mas as escolas não têm assumido pra si o dever de formar para o respeito e a diversidade. Tem sido comum, nos últimos tempos, com a ascensão da extrema direita, pais e mestres reforçarem o discurso de que racismo é ‘mimimi’ e vitimismo e assim, deixar estudantes a vontade para discriminar racialmente [outras pessoas]”, avalia Aline Costa.
Escolas não cumprem lei de ensino da história afro-brasileira
Segundo a mestra em Relações Étnico-Raciais, o primeiro passo para combater o racismo nas escolas é cumprir a lei que obriga o ensino da história afro-brasileira.
Sancionada em 2003, a norma estabelece que deverão ser incluídos nos conteúdos programáticos das escolas públicas e particulares, do ensino fundamental ao médio, os estudos da história da África e dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade.
A lei representa uma tentativa de resgatar a contribuição do povo negro brasileiro nas áreas social, econômica e política durante a história do país.
Apesar de ser considerada um avanço, a lei ainda não é efetivamente implementada nas escolas. De acordo com pesquisa realizada pela Geledés Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana, 71% das redes municipais de ensino do país não praticam o que determina a lei 10.639.
O estudo foi realizado ao longo de 2022, com dados obtidos em 1.187 secretarias municipais de ensino, o equivalente a 21% do total de municípios do país. Mais da metade (53%) realizam ações pontuais e pouco estruturadas, geralmente em datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra. Já 18% reconhecem que não realizam qualquer ação para cumprimento da lei.
Outro estudo, desta vez realizado em turmas de creche e pré-escola de 12 municípios brasileiros mostrou que 90% delas ignoram o ensino de questões étnico-raciais. Todas as regiões do país foram incluídas no mapeamento, que considerou 3.467 turmas, sendo 1.683 creches e 1.784 pré-escola.
Punição
Um dos casos reportados na mídia ocorreu no dia 3 de abril, quando alunos da Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima foram hostilizados com xingamentos racistas por alunos do Colégio Galois, durante uma partida de futsal válida pelo torneio Liga das Escolas. “Macaco”, “filho de empregada” e “pobrinho” foram alguns dos termos utilizados pelos estudantes.
A direção da escola particular fez uma apuração do caso e dez alunos envolvidos foram identificados. Destes, seis deixaram a escola, e outros cumpriram medidas “éticas e pedagógicas”.
“Ademais, todas as famílias envolvidas foram comunicadas do resultado e estão cientes das penalidades. Essa decisão está em consonância com o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], que visa proteger qualquer ação que possa constranger menores”, diz comunicado da equipe jurídica enviado pela assessoria do colégio à Agência Brasil.
Para Aline Costa, a punição do alunos é acertada mas deve ir além. “Assim como qualquer ato infracional cometido por adolescentes, deve haver medidas disciplinares. Porém as pedagógicas não devem se restringir aos ofensores, mas a todas as escolas. Para que não se repita”, justificou.
A militante do MNU defende que as famílias dos jovens também devem ser responsabilizadas. “Em sua maioria, esse tipo de ideologia e comportamento é adquirido ou reforçado pelos responsáveis. Penso que o mal feito a essa vítima tem de ser reparado por vias legais”, concluiu. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) acompanha o caso.
O que diz a Secretaria de Educação?
Procurada pelo Brasil de Fato DF, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) disse que está acompanhando “ativamente” os “recentes incidentes que foram reportados na mídia como casos de racismo, demonstrando diligência ao conduzir averiguações nas escolas afetadas”. “Cada caso está sendo minuciosamente examinado, e a Secretaria está verificando, por meio de sua equipe técnica e especializada, as particularidades de cada situação”, completou.
A pasta informou que fez contato telefônico e pessoalmente com as unidades escolares, para compreender o ocorrido e monitorar as medidas adotadas, além de disponibilizar suporte técnico-pedagógico.
“A SEEDF orienta a todas às unidades escolares do Sistema de Ensino do Distrito Federal que abordem, de maneira transversal e ao longo de todo o ano letivo, conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher, conforme preconizado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96)”, afirmou.
A Secretaria disse ainda que está “comprometida em trabalhar de forma ativa” com as escolas privadas “o enfrentamento não apenas dessas situações específicas, mas de todas as outras formas de discriminação e injustiça que possam surgir no ambiente escolar”.
MEC anuncia protocolos de prevenção e resposta ao racismo
O Ministério da Educação (MEC) anunciou, nesta quinta-feira (2), que vai apresentar, nos próximos meses, protocolos de prevenção e resposta ao racismo nas escolas. A medida faz parte do desenho da Política Nacional de Educação para as Relações Étnico-Raciais, que deve ser anunciada no próximo dia 14.
Ao todo, a política possui sete eixos, sendo um deles o diagnóstico de monitoramento da implementação da Lei 10.639/2003, que determinou a inclusão obrigatória do ensino de história e cultura afro-brasileira em todas as etapas da educação básica.
www.brasildefato.com.br/Bianca Feifel