20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa: Avanços e Desafios
Ao longo da história da humanidade, a senioridade viveu uma trajetória com contextos bem diferentes dependendo do cenário social e econômico. Na China milenar, os idosos exibiam um patamar social de guardiões da cultura, do conhecimento e da sabedoria daquele povo. Já na Revolução Industrial, que começou o século XVIII na Inglaterra, as máquinas e a força física necessária para o ritmo frenético da produção em série impuseram às pessoas de mais idade um papel secundário, quase mesmo invisível, pois não “serviam” aos propósitos do capitalismo nascente de expropriação da mão de obra trabalhadora.
Esse último conceito passou a ser uma visão dominante no Ocidente nos últimos mais de 250 anos e a pessoa idosa foi sendo colocada à margem da vida do mundo do trabalho, social e mesmo familiar como um problema e, não mais, como pilar de sustentação da história acumulada com os anos de experiência e de contribuição para a sociedade. Mais uma vez, o capitalismo mostra uma das suas facetas nefastas que é a marginalização de um grupo social tão importante como os idosos ao excluí-los do sistema econômico tornando-os “incapazes” para o mercado de trabalho e, assim, tirando deles a relevância no contexto da vida social.
O pontapé inicial para garantir direitos à pessoa idosa começou no século XIX, quando na Alemanha surgiu o primeiro sistema de previdência social. Na década de 1920, a Lei Eloy Chaves foi adotada no Brasil e proporcionou a aposentadoria para pessoas com 50 anos ou mais. Foi o primeiro passo para a criação da nossa Previdência Social.
Mas a primeira semente para a origem de um arcabouço de garantias e direitos para a pessoa idosa surgiu na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948. Mesmo que de forma ainda genérica, artigo 25 da DUDH da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece:
“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”
Durante o século XX, conferências e convenções realizadas pela ONU foram aprimorando as resoluções que defendiam políticas públicas que definissem direitos e garantias para a pessoa idosa. Em 1982, a entidade realizou na Áustria a I Conferência sobre o Envelhecimento, na qual foi aprovado o Plano Internacional de Viena sobre o Envelhecimento. Em 1991, a ONU estabeleceu a Carta de Princípios para Pessoas Idosas. No ano de 2002, ocorreu a II Conferência sobre o Envelhecimento na cidade de Madri (Espanha), que resultou em avanços no Plano Internacional sobre o Envelhecimento.
Detalhar esse processo histórico é extremamente importante para entendermos como o envelhecimento e a senioridade foram sendo tratados na nossa sociedade durante os últimos séculos. No Brasil, o maior marco em defesa da pessoa idosa completa 20 anos em 2023: a Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, chamada de Estatuto da Pessoa Idosa. O projeto que deu origem a esse avançado sistema jurídico foi de autoria do então deputado federal Paulo Paim (PT) – que hoje é senador da República. O estatuto foi promulgado no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, neste Dia Internacional das Pessoas Idosas e Dia Nacional do Idoso, celebrado em 1º de outubro, é hora de refletir e lutar pela humanização dos cuidados, pela ampliação das políticas públicas e pelo envolvimento de toda a sociedade na defesa dos nossos idosos.
O Estatuto da Pessoa Idosa é uma legislação que traz uma série de direitos e garantias para os idosos brasileiros – desde cuidados médicos de qualidade, punição em casos de violência e abandono, até acesso gratuito ao transporte público. A construção dessa lei tão relevante contou com a luta de vários segmentos da sociedade, incluindo o movimento sindical.
É inegável que o Estatuto do Idoso mudou o olhar da nossa sociedade sobre a pessoa idosa. Além disso, nesses últimos 20 anos, a legislação contribuiu para a criação de políticas públicas focadas nessa parcela da sociedade estabelecendo uma rede de apoio para a inclusão das pessoas com 60 anos ou mais na vida social no nosso país. Sim, evoluímos em direção a proporcionar dignidade, bem-estar e visibilidade aos nossos idosos. Entretanto, ainda estamos engatilhando no cumprimento da lei em sua integralidade, de forma igualitária e em todas as partes do Brasil.
Os dados mostram um cenário preocupante de descaso social com as pessoas idosas no país. De acordo com o levantamento, das 5.570 cidades brasileiras existem conselhos municipais da pessoa idosa em 3.748 delas. Entretanto, eles estão ativos de fato em 3.301 localidades. Isso significa que em apenas 54,42% desses municípios há, efetivamente, um conselho em funcionamento. Há 2.261 Fundos dos Direitos da Pessoa Idosa (FDI) no Brasil. Contudo, só 1.369 deles estão aptos na Receita Federal a receber recursos. Todas essas informações estão divulgadas no Participa Mais Brasil (https://www.gov.br/participamaisbrasil/painel-de-informacoes). No ano de 2022, as doações para os fundos foram de R$ 75.616.115,36 por meio de doações na Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física do exercício de 2021, de acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI).
O Brasil ainda é um país que discrimina os idosos no mercado de trabalho com o etarismo na oferta de vagas. Convivemos todos os dias com casos de violência contra a pessoa idosa. Cotidianamente, vemos filas imensas de idosos sofrendo atrás de atendimento médico na rede pública. Sem falar no sistema de Previdência Social que piorou muito com catastrófica e desumana Reforma da Previdência do desgoverno do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Com a celebração dos 20 anos da legislação, é o momento de cobrar políticas públicas que avancem na humanização, no respeito, na dignidade e na socialização das pessoas idosas. É hora dos movimentos sociais, sindicatos, ONGs e dos diferentes segmentos da sociedade levantarem as bandeiras de luta para garantir os direitos das pessoas com 60 anos ou mais. Temos uma legislação avançada e o que nos falta é que ela seja cumprida em todos os seus capítulos, artigos e parágrafos.
Claro que o pós-pandemia exige novas ações e projetos para a pessoa idosa. Os idosos fazem parte dos grupos sociais que mais sofreram com a crise sanitária gerada pela Covid-19 – seja com a perda de vidas ou as sequelas deixadas por dias tão duros. É necessário ter um olhar mais amoroso, cuidadoso e atento para as novas demandas que surgiram a partir da pandemia. E temos órgãos como o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa e fóruns nos quais podemos debater e estabelecer novas diretrizes e medidas para atuar diretamente com os problemas gerados nos últimos três anos.
A CTB tem na Diretoria Executiva a SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA, APOSENTADOS E PENSIONISTAS que trabalha nas questões ligadas à pessoa idosa e aos aposentados e aposentadas. Nossos sindicatos também têm iniciativas que garantem aos companheiros e companheiras idosos contarem com amparo, socialização, luta por direitos, aposentadoria digna e inclusão social. Temos bandeiras de luta bem definidas que estão em consonância com um mercado de trabalho justo e igualitário conforme as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e com o que preconiza o Estatuto da Pessoa Idosa.
A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) tem como bandeiras de luta o fortalecimento dos direitos da pessoa idosa; garantia da inclusão dos idosos na vida social e no mercado de trabalho; combate à violência, abandono e os maus-tratos contra a pessoa idosa; garantia de acesso à educação, lazer, cultura e saúde; garantia de segurança dos idosos no transporte público e na mobilidade urbana; combate ao preconceito etário e a discriminação contra a pessoa em decorrência da sua idade; políticas públicas eficazes para atender às demandas dos idosos; ampliação dos Conselhos Municipais e Estaduais do Idoso; mais recursos para os fundos e programas de ações e políticas públicas focadas na pessoa idosa; revogação da Reforma da Previdência do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro; e luta pela recomposição e aumento real das aposentadorias e pensões no país.
Celebramos os 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa como um avanço que nos deu o alicerce necessário para garantir dignidade para os idosos no Brasil. Mas sabemos que a lei é só o começo de um longo caminho que traga a tão sonhada inclusão, humanização e respeito com quem tanto contribui com a classe trabalhadora e a nossa sociedade.
www.ctb.org.br/ Por: Rosana Medina, secretária de Previdência, Aposentados e Pensionistas da CTB e Diretora de Imprensa do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Campinas (STMC)