Articulação Nacional de Agroecologia teme que atual gestão aposte em ultraprocessados no combate a insegurança alimentar
Depois de oito meses de articulação, em agosto, o governo recriou Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Conquista histórica dos movimentos populares do campo, a ferramenta foi estabelecida ainda em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
Descontinuada na onda de cortes de políticas públicas que o Brasil viveu após o golpe contra a ex-presidenta, em 2016, a Comissão volta, agora, com a promessa de ser uma das ferramentas para tirar o Brasil do Mapa da Fome.
“A gente está dizendo que a retomada da política de agroecologia precisa estar na boca do povo para que se defenda uma saída da fome com alimento de verdade, com comida de verdade, e essa comida de verdade ela precisa ser produzida pela agricultura familiar, camponesa, pelos povos tradicionais”, afirma o agrônomo Paulo Petersen, integrante do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
“Nós já saímos do Mapa da Fome [classificação estipulada pela ONU na qual o Brasil voltou a fazer parte desde 2022] lá atrás, mas nós saímos do Mapa da Fome com comida industrializada, chamada de ultraprocessada. Então, nós saímos do Mapa da Fome, mas os problemas de saúde associados à má alimentação aumentaram muito”, comenta o agrônomo em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (8).
ANA é a principal entidade que, hoje, defende a consolidação e investimentos da CNAPO. Porém, a criação da Comissão é resultado de uma reivindicação de movimentos populares do campo.
A CNAPO teve como ato fundador a Marcha das Margaridas de 2011. O evento é considerado a maior ação conjunta de mulheres trabalhadoras da América Latina.
Organizado pela Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), a mobilização de 2011 levou como uma das pautas centrais, justamente, a criação de uma ação do governo federal que reunisse todas as propostas de agroecologia que aconteciam no país.
“Em 2011, a Marcha das Margaridas ocupou Brasília com 70 mil mulheres e a pauta da agroecologia era uma das agendas centrais daquela marcha”, relembra Petersen ao referir este momento como o marco para a inserção da agroecologia como política de governo.
O nome da marcha homenageia Margarida Maria Alves, sindicalista paraibana assassinada em 1983, aos 50 anos, por um matador de aluguel a mando de fazendeiros da região.
Durante o período em que esteve em atuação, ao longo do governo Dilma Rousseff, o grupo foi um importante articulador de ações de financiamento, troca de conhecimento e fortalecimento da coletividade. Um exemplo foi o programa de apoio a redes territoriais de agroecologia, Ecoforte, em articulação com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável (BNDES) e o Banco do Brasil.
Além disso, mais de 700 bancos comunitários de sementes foram criados e a CNAPO representou uma grande linha de apoio e articulação com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
“Não basta um enfrentamento à fome no geral, beneficiando mais a indústria e penalizando a saúde, sobretudo, da população mais socialmente vulnerabilizada”, argumenta Petersen.
Como forma de retomada da CNAPO, na segunda-feira (17), foi realizado o seminário “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo”, dia 4 de setembro (segunda-feira), com a participação de redes estaduais de agroecologia e demais integrantes da ANA.
O evento faz parte da preparação para um próximo encontro em que se tem grandes expectativas para afirmação da agroecologia como política central de estado. É o XII Congresso Brasileiro de Agroecologia (XII CBA), que acontecerá no Rio de Janeiro (RJ), de 20 a 23 de novembro.
Embora exista otimismo para os próximos passos, Petersen reconhece que os caminhos são difíceis. O agrônomo lembra que o governo foi eleito unindo diferentes setores da sociedade, que, segundo ele, não necessariamente apoiam a agroecologia.
“Nós estamos diante de uma perspectiva de domínio do pensamento liberal. A agroecologia não se coaduna com a lógica do neoliberalismo”, comenta o agrônomo.
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