Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ sexta-feira, novembro 22, 2024
Notícias

135 anos após Lei Áurea, trabalho análogo ao escravo bate recorde no Brasil

276views

Os dados oficiais apontam um aumento de casos da chamada escravidão moderna no Brasil

O Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 1.443 pessoas em situação análoga à escravidão entre 1º de janeiro e 14 de junho deste ano. É quase o dobro do total de 771 resgates feitos em todo o primeiro semestre de 2022.

Os registros cresceram especialmente após a liberação de 207 trabalhadores terceirizados, em fevereiro, que estavam em condições degrantes de trabalho e moradia na safra de uva para as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.

Os dados oficiais apontam um aumento de casos da chamada escravidão moderna no Brasil.

Para o secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério, Luiz Felipe Brandão, a mudança de governo teve um caráter mobilizador: “Mexeu com o espírito coletivo dos envolvidos. Com a maior divulgação do nosso trabalho, aumentam denúncias e investigações, gerando maior número de resgates”, disse.

Fiscalização aumentou no governo Lula

Os números comprovam. A fiscalização aumentou desde o início do governo Lula (PT). Até 14 de junho foram realizadas 174 ações, contra 63 no mesmo período de 2022.

Os 1.443 resgates de trabalhadores e trabalhadoras são o maior resultado dos últimos 12 anos, só não superando o do primeiro semestre de 2011, quando 1.465 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão.

Segundo a doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e autora do livro “Entre o Silêncio e a Negação: Trabalho Escravo Contemporâneo sob a ótica da população negra” (2019), Raissa Roussenq, há uma retomada do combate a esse crime no país,.

“O Brasil já foi referência mundial no tema, mas isso foi prejudicado nos últimos anos, com os entraves à publicação da Lista Suja do Trabalho Escravo (2017) e a extinção do Ministério do Trabalho (em 2019 e recriado em 2021), por exemplo”, explicou.

Reforma trabalhista precarizou mundo do trabalho

Para Roussenq, a reforma trabalhistas feita no governo ilegítimo de Michel Temer, em 2017 também contribuiu para maior vulnerabilidade de trabalhadores e aumento de casos.

“A reforma favoreceu a precarização dos direitos trabalhistas, enfraquecendo mais quem já estava em posição frágil no mercado. Isso, aliado à crise econômica, torna o cenário propício para empresários que desejam se valer do trabalho escravo”, avaliou.

Já a professora de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Lívia Miraglia, disse que sempre existiram casos de trabalho análogo à escravidão no país, com raízes na história do Brasil e nas relações socioeconômicas que perduram até hoje.

“Este tipo de trabalho tem cor, classe e gênero. Quanto maior a crise econômica, maior o número de pessoas nessa situação”, ressaltou.

Muitos trabalhadores nem sequer reconhecem que estão em situação análoga à de escravos, em especial mulheres em serviços domésticos.

“Temos visto crescer essa consciência, mas não a ponto de a grande maioria das denúncias vir dos próprios trabalhadores. É impressionante que, mesmo quando a fiscalização chega, há mulheres que não querem ir embora, não enxergam outra vida além daquilo”, afirma Miraglia, também coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da UFMG.

Conforme ela, a repercussão dos episódios tem ampliado a consciência. “O grande número de casos que vem sendo noticiados fez aumentar exponencialmente o número de denúncias vindas dos próprios trabalhadores”.

Lei Áurea não trouxe igualdade

Em 2023, completaram-se 135 anos da assinatura da Lei Áurea, uma decisão resumida em uma linha: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. A abolição não foi suficiente para incluir negros e negras na sociedade brasileira e é questionada até hoje pelo movimento negro.

“O Brasil nunca fez autocrítica em relação às dimensões estruturais que a escravidão teve na construção material e simbólica da nação”, disse a professora e historiadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ynaê Lopes dos Santos. Segundo ela, isso faz com que o entendimento sobre o que é trabalho digno seja ainda incipiente no país.

Para a professora da UFF, o Brasil só vencerá essa chaga quando investir em igualdade. “Vivemos em uma sociedade que não é escravista, embora já tenha sido, mas desigualdades sociais, econômicas, culturais e políticas permitem que pequenos núcleos de escravidão existam e sejam lucrativos”.

www.cut.org.br/Com informações de Nadine Nascimento / Folha de S.Paulo

Deixe uma resposta