As plataformas digitais têm interesse econômico em desinformar sobre o projeto de lei. Desmascaramos algumas das mentiras que circulam mais.
O poderio econômico e de influência das big techs não para de disseminar mentiras sobre o Projeto de Lei 2630/2020, que visa a combater as fake news e a desinformação, e tornar os algoritmos mais transparentes, além de coibir discurso de ódio e outros crimes. São distorções e informações falsas, grosseiras e sem sentido, quando confrontadas com o texto do PL relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Foi assim em todos os países do mundo que acabaram enfrentando e regulando o funcionamento dessas empresas.
A discussão da matéria — que tramita na Câmara desde 2020, após ser aprovada no Senado — tornou-se ainda mais urgente, depois dos recentes ataques violentos em escolas e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Tudo articulado e fomentado nas redes sociais e aplicativos de mensagens. A principal oposição ao projeto vem, justamente, de parlamentares bolsonaristas identificados com a disseminação de fake news, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
O objetivo das mentiras é mobilizar produtores de conteúdo e influencers sob a alegação de a lei vai afetar sua liberdade de trabalho. Infelizmente, as multinacionais que os manipulam, como Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) e Google (também dono do YouTube), já demonstraram que não têm nenhum interesse em promover a verdade, defender a democracia, remunerar de forma justa os produtores de conteúdo, garantir a segurança e os direitos humanos, combater o crime ou respeitar a legislação nacional, mesmo em outros lugares do mundo. Por isso, resistem a serem reguladas, sempre que podem.
Entenda o que há no PL e o que ele significa, a partir de sete fake news (entre tantas outras), que circulam intensamente nas redes:
1. O produtor de conteúdo vai ter que pagar para usar conteúdo da TV Senado, da TV Brasil ou de outra empresa
O projeto de lei não cria nenhuma obrigação para o usuário pagar para usar conteúdos.
O que ele faz é estabelecer uma obrigação de remuneração das próprias plataformas ao jornalismo e aos criadores, e ninguém mais. Essa obrigação vem sendo criada em vários países como forma de fazer com que essas empresas revertam parte do lucro obtido para fortalecer a produção jornalística, em vez de remunerar produtores de fake news. Todo o lucro dessas empresas é oriundo de publicidade e utilização de dados fornecidos pelos usuários e manipulados pelos algoritmos.
2. Apenas a Globo vai ganhar
O PL prevê que as plataformas paguem dois tipos de agentes: (1) detentores de obras por direitos autorais e (2) pessoa jurídica, mesmo individual, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada e com endereço físico e editor responsável no Brasil. Ou seja, até um MEI pode ser remunerado! E como a previsão é de negociação coletiva e regulamentação dos critérios, há um esforço para equidade. A lei fala explicitamente em contemplar as pequenas e médias empresas nas negociações.
3. Vamos perder publicidade
O PL não cria embaraços para a publicidade direcionada para os produtores. Cria uma responsabilidade para as plataformas, quando um conteúdo que foi impulsionado causar danos. Se a plataforma recebeu dinheiro para impulsionar, ela passa a ser corresponsável por ele. Inclusive não há proibição para impulsionamento definidos na proposta.
4. Essa responsabilidade vai afetar os YouTubers
As plataformas já fazem análise de publicidade. Não há qualquer indício de que as novas obrigações criarão qualquer embaraço para os produtores de conteúdo.
5. Estão criando regulamentação dos veículos de comunicação
Não há nenhuma nova regra criada para as empresas de mídia, imprensa, jornalismo e etc.
6. A previsão de denúncias às plataformas vai levar à derrubada dos canais dos produtores de conteúdo
Existe a previsão da criação de um canal para recebimento de denúncias qualificadas no PL, mas NÃO há obrigação de as plataformas passarem a derrubar conteúdo por conta de denúncias.
O canal de denúncia previsto no projeto não é simples como apertar um botão. As pessoas terão de estruturar justificativas, com base legal, o que desincentiva uma guerra de denúncias de canais, pois vai exigir tempo e energia de quem quiser mandar denúncia. Inclusive, o projeto cria um procedimento que não existe hoje, que obriga as plataformas a notificarem, de forma explícita e detalhada, o usuário que tiver um conteúdo moderado, disponibilizando um canal de contestação com prazo para resposta da plataforma.
7. A previsão de remuneração do jornalismo pelas plataformas é um ‘jabuti’ no projeto
A tentativa é de desqualificar o PL dizendo que ele incorpora artigos que não estão relacionados com seu tema. No entanto, a remuneração do jornalismo por plataformas está em discussão em todo o mundo, e este tema já integrava o conjunto de elementos do PL 2630/2020 ainda no Senado, no ano de 2020. Apesar disso, na reta final de votação, o dispositivo não integrou o relatório final. Na Câmara dos Deputados, ainda em 2021 e 2022, o tema foi debatido em audiências públicas e entidades do jornalismo estão em diálogo com o relator desde então. A Austrália é pioneira em relação à aprovação de uma regulamentação sobre o tema.
www.vermelho.org.br/ Cezar Xavier