O Consea havia sido extinto por Bolsonaro há 4 anos, também no primeiro dia em que pisou no Planalto como presidente
A volta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) está entre os primeiros atos do novo governo de Lula (PT), empossado presidente do Brasil pela terceira vez neste domingo (1º). O órgão, composto por membros do governo e da sociedade civil, deverá assessorar a presidência no combate à fome, tema que Lula afirma ser sua “prioridade número um”.
A reativação do Consea consta na Medida Provisória (MP) 1154/23, publicada no Diário Oficial no domingo (1º). De forma simbólica, o órgão que volta a existir no primeiro dia do novo governo Lula havia sido extinto em 2019, no primeiro dia do governo Bolsonaro (PL).
Quatro anos depois, o agora ex-presidente de extrema-direita assiste de Miami o seu adversário político assumir o comando do país que, sob sua gestão, atingiu a marca de 33,1 milhões de pessoas passando fome.
“Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas”, afirmou Lula no discurso de posse na Praça dos Três Poderes, para um público de centenas de milhares de pessoas. “Trabalhadores e trabalhadoras desempregados, exibindo nos semáforos cartazes de papelão com a frase que envergonha a todos ‘por favor, me ajuda’”, disse, com a voz embargada, ao chorar.
“Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome”, prosseguiu o presidente petista, depois de se recompor. “E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna”, apontou.
A urgência do combate à fome
“A retomada do Consea é uma conquista da sociedade, que nesses últimos quatro anos deixou de ser ouvida sob vários aspectos”, avalia Paola Carvalho, diretora da Rede Brasileira de Renda Básica.
“O Consea foi desativado num momento em que se entendeu, por parte do governo federal, que debater a segurança alimentar e nutricional não era algo fundamental para a sociedade brasileira. O que nos fez alcançar patamares absurdos no Brasil em relação à fome”, constata Carvalho.
Durante o governo Bolsonaro, o Brasil voltou para o Mapa da Fome das Nações Unidas. Um país entra nesta categoria quando mais de 2,5% da população enfrenta a falta crônica de alimentos.
Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, pesquisa feita pela Rede Penssan, 15,5% da população brasileira está sem ter o que comer. Além disso, as pessoas no país que não precisam se preocupar se vão conseguir se alimentar no dia são, agora, minoria. Apenas quatro em cada 10 famílias têm acesso pleno à alimentação.
É esse o cenário no qual o Conselho volta à ativa. Para a historiadora Denise de Sordi, pesquisadora da Fiocruz e da USP, a notícia “não só está em linha com o programa de governo que foi eleito e que agora inicia seu mandato, mas também com o entendimento que o combate à fome precisa ser uma política de Estado”.
O que é e como funciona o Consea
O Consea foi criado em 1993, no governo de Itamar Franco (Cidadania), que por sua vez assumiu a presidência depois do impeachment de Fernando Collor de Melo (PTB). Extinto logo dois anos depois por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o órgão foi reaberto em 2003, no começo do primeiro governo Lula, como parte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
Por esse órgão consultivo passaram e foram elaboradas, ao longo da história, políticas de incentivo à agricultura familiar e disponibilização de alimento saudável em equipamentos públicos. Entre elas, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ambos desidratados nos últimos quatro anos.
No PAA, o governo federal compra alimentos produzidos pela agricultura familiar e os destina para que sejam ofertados, gratuitamente, em equipamentos da rede pública como, por exemplo, Centros de Referência de Assistência Social e restaurantes populares. No PNAE, o governo federal repassa para estados, municípios e escolas federais, valores destinados a compra de produtos da agricultura familiar para alimentação escolar.
“O Consea não se dedica só às questões de insegurança alimentar grave, como a temática da fome. Mas também faz discussões fundamentais no Brasil sobre abastecimento, sobre qualidade alimentar”, explica Paola Carvalho.
Pesquisadora de políticas sociais no Brasil, Denise de Sordi lembra que junto do retorno do Consea, “temos também a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, que também sinaliza para uma reestruturação das políticas de produção de alimentos, incentivo à agricultura familiar e combate à pobreza no campo. Não dá para esquecer que o combate à pobreza passa pela articulação entre campo e cidade”.
“Agora, vamos aguardar para ver como serão as regras de funcionamento desse novo Consea e como vai se dar a intersetorialidade das políticas de combate à fome e à pobreza”, destaca a historiadora.
www.cut.org.br/Gabriela Moncau/ Brasil de Fato