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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Ministério do Trabalho precisa ser protagonista no debate da política econômica

Centrais sindicais defendem Ministério do Trabalho e Emprego "forte e atuante" para geração de empregos de qualidade - Reprodução
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Desafio da pasta é resgatar direitos e pautar criação de empregos de qualidade em um contexto de revolução tecnológica

O fortalecimento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é uma das propostas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para comandá-lo, o nome escolhido é o de Luiz Marinho (PT-SP), deputado federal eleito por São Paulo e ex-titular da pasta.

Marinho chega ao cargo com o apoio de uma carta assinada por sete centrais sindicais à indicação. Segundo o texto, ele “tem plena sintonia com o movimento sindical brasileiro e diálogo amplo com o setor empresarial, grande habilidade para tratar de conflitos e alta capacidade para conduzir negociações complexas”.

“Consideramos essencial o fortalecimento do MTE para articular e materializar, com os demais ministérios e organizações da sociedade, a concepção que confere centralidade ao trabalho e ao emprego às estratégias de desenvolvimento econômico e social do país”, afirmam as centrais. “Um desenvolvimento orientado para a produção socioambiental sustentável, que gera emprego de qualidade e crescimento dos salários, que enfrenta e supera a miséria, a pobreza e as desigualdades, requer um MTE forte e atuante.”

Os desafios são diversos. Desde o golpe que tirou Dilma Rousseff (PT) do poder, o mundo do trabalho passou por diversas alterações, todas elas com prejuízo para os trabalhadores. Da reforma trabalhista à previdenciária, passando pela própria extinção do MTE por Bolsonaro, o país acompanhou uma mudança brusca em suas relações entre trabalhadores e empregados – tudo isso em meio aos impactos de novas tecnologias que estão mudando a forma de organização da economia.

Morte e retorno

Criado em 1930 pelo primeiro governo de Getúlio Vargas, o Ministério do Trabalho é um dos mais antigos órgãos do Estado brasileiro. Nascida como Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a pasta mudou de nome muitas vezes desde então, incluindo em diversos momentos temas como previdência e administração pública entre suas atribuições, e acumulando maior ou menor influência nos governos de turno.

No governo Bolsonaro, no entanto, sofreu uma desestruturação jamais vista. Já em dezembro de 2018, Onyx Lorenzoni (então no DEM, hoje no PL), responsável pela transição entre os governos Temer e Bolsonaro, anunciou a extinção da pasta.

A mudança foi concretizada em janeiro de 2019. As funções do MTE passaram para o Ministério da Economia, que incorporou diversas pastas da área econômica em um “superministério” chefiado pelo ultraliberal Paulo Guedes.

A pasta foi recriada em 2021 como Ministério do Trabalho e Previdência, recuperando parte de suas funções, como a gestão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do conselho gestor do FGTS e das questões relativas à previdência pública. No entanto, a bagunça já estava feita.

De acordo com André Luís dos Santos, analista político do Diap e sócio-diretor da Contatos Assessoria Política, a recriação do ministério no governo Bolsonaro foi mais uma questão de “acomodação política do que uma estrutura de governo criada para ter um funcionamento pleno”.

“Isso vai afetar agora para o próximo governo. Ele vai ter na verdade é que reconstruir o ministério praticamente do zero.  Buscar orçamento, buscar reestruturar internamente as suas secretarias, os status das secretarias para que isso tenha efeito dentro do governo do ponto de vista administrativo, de mais qualidade na sua atuação”, analisa.

Muito além de uma questão formal, essa remontagem passa por disputar cargos e orçamento com outras pastas, como Cidades e, em especial, Economia, que permaneceram com “pedaços inteiros” das atividades do MTE mesmo depois de seu renascimento, como explica Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese.

“Como os cargos foram colocados lá no Ministério da Economia, você tem que trazer de volta para o MTE. Só que muitos cargos inclusive foram extintos nos processos de reorganização. Então tem todo um projeto de reestruturação efetiva do MTE enquanto um ator político relevante para ele poder fazer sua missão histórica.”

Ele destaca a importância da separação das pastas de Trabalho e Previdência, que permite maior nitidez às tarefas de cada área. “O retorno de um Ministério do Trabalho e Emprego, uma pasta única, é bastante importante, porque de alguma forma abre a possibilidade de você reorganizar as secretarias e induzir as prioridades que, muitas vezes, junto com a previdência ficam meio misturadas. Só aí você já tem um ganho bastante importante”, avalia.

Mais desmonte

As atividades básicas do MTE podem ser resumidas por um tripé: seguro desemprego, formação e qualificação social e profissional e intermediação de mão de obra para reposição no mercado de trabalho. Junto com a fiscalização de normas de segurança e saúde, as três áreas formam a base da política de emprego e renda do Estado – que foi bastante atacada pelo governo Bolsonaro.

“Para você ter uma ideia, no caso da qualificação profissional estão previstos no orçamento em torno de R$ 20 milhões no Brasil inteiro em um ano. No auge do MTE, 20 anos atrás, a qualificação tinha um orçamento de 400 milhões”, denuncia Fausto.

Outro ponto desestruturado foi a fiscalização, e isso ocorreu de diversas formas, em processo similar ao visto em outras áreas, como meio ambiente e controle de armas. Por um lado, o governo promoveu uma revisão das Normas Regulamentadoras (NRs), instrumentos que determinam uma série de parâmetros de segurança e condições no trabalho.

A cargo dessa revisão, o então secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e hoje senador eleito pelo Rio Grande do Norte, Rogério Marinho (PL), afirmou que as regras existentes até então faziam com que o país fosse uma “fábrica de criação de obstáculos burocráticos de quem quer empreender”.

De outro, atacou a Fundacentro, órgão do MTE responsável pela implementação e fiscalização dessas normas e que foi “esvaziada, diminuída, de certo modo foi desorganizada claramente com a intenção de liberar muito absurdo na vida nos locais de trabalho que a gente assistiu nesses quatro anos”, explica Fausto.

“Tudo que a gente ouviu falar muito pela mídia com relação ao meio ambiente, que a fiscalização foi desmontada, tudo aconteceu também do lado do trabalho. Você teve um desmonte do sistema de fiscalização, enfraquecimento das estruturas, e tudo isso precisa ser remontada agora.”

Sem “revogaço”, com negociação

Entre os debates centrais para o próximo período está a revisão da famigerada Reforma Trabalhista. Aprovada em 13 de julho de 2017 pelo governo de Michel Temer (MDB), a Lei 13.467/2017 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), retirou diversos direitos dos trabalhadores e desmantelou o processo de negociação coletiva ao enfraquecer o movimento sindical.

A justificativa para as mudanças seria “modernizar” a legislação, reduzir custos da contratação de mão de obra e abrir perto de 6 milhões de postos de trabalho. O resultado, no entanto, foi aumento da informalidade, que bateu recordes e se estabeleceu em um patamar próximo a 40% da população ocupada.

Com isso, caiu a renda dos trabalhadores. De acordo com o Dieese, no segundo trimestre de 2017, um trabalhador brasileiro recebia em média R$ 2.744 (valores corrigidos pela inflação). Cinco anos depois, no 2º trimestre de 2022, ele ganhava R$ 2.652.

Durante a campanha, Lula prometeu em carta divulgada dias antes do segundo turno construir uma nova legislação trabalhista que “assegure direitos mínimos –tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dignos” – o que incluiria alterar também pontos da Reforma da Previdência, aprovada em 2019 por meio de emenda constitucional, mais difícil de modificar no Congresso.

A proposta, no entanto, esbarra não só em um Congresso mais conservador e economicamente liberal, mas também em um governo ideologicamente heterogêneo.

“Diferente do governo que teve do mesmo presidente em 2003, esse governo é mais amplo, assume com outros partidos já dentro de sua base desde o início, e partidos esses que não necessariamente são tão aliados do mundo do trabalho assim”, avalia André. “Aí junta que a parte mais conservadora do ponto de vista não só de costumes, mas mais liberal do ponto de vista econômico se formou como maioria dentro do Congresso Nacional. Então eu não acredito que, como chegaram a comentar de um ‘revogaço’ da Reforma Trabalhista, não acredito que isso seria viável para agora. O momento é de mais diálogo, negociação, de buscar ver o que se poderia melhorar para o mundo do trabalho e para os trabalhadores nesse contexto.”

Fausto concorda, lembrando que esse cenário de negociação foi colocado pelo próprio Lula durante a campanha, com apoio das centrais sindicais, que passaram a falar menos em “revogar” e mais em “revisar” as reformas, resgatando direitos e atualizando a legislação para um novo cenário.

“Estamos em um processo de negociação, o presidente colocou isso. Então já está definido de certo modo o caminho que vai ser feito, que é o caminho do diálogo social, da negociação tripartite entre Estado, trabalhadores e empresários para se compreender as mudanças que estão acontecendo no mundo do trabalho e, a partir delas, olhar a legislação trabalhista e a organização sindical”, analisa.

Uma das referências dessa renegociação é o processo que aconteceu na Espanha. O país aprovou em 2012 uma reforma trabalhista de cunho liberalizante, similar à feita no Brasil por Temer. Em 2021, o governo liderado pelo primeiro ministro Pedro Sánchez, do Partido Socialista Espanhol (PSOE), lançou uma nova legislação, amplamente discutida entre Estado, trabalhadores e patrões, recuperando direitos trabalhistas e atualizando o regramento do mundo do trabalho.

“Quando a gente fala da experiência espanhola de um lado estamos falando da mesa, o tripartismo, a negociação, a discussão. E por outro lado, essa necessidade de diminuir o número de contratos, desflexibilizar contratos, dar maior peso estrutural para o contrato de trabalho tradicional, de oito horas, com direitos trabalhistas garantidos etc. A mesa foi importante, mas a mesa tinha uma indicação do próprio governo que de certo modo tinha a intenção de promover esse processo de desflexibilização do mercado de trabalho”, conta Fausto.

Até onde se pode avançar no contexto atual é uma incógnita, mas o debate está posto. “É muito claro que não é possível continuar do jeito que está. A reforma trabalhista foi um absurdo que foi feito em 2017, de maneira unilateral. Mas também acreditar que é simplesmente voltar para o anterior não dá conta. O papel do MTE nesse caso é ser o espaço de promoção desse debate”, afirma o diretor técnico do Dieese.

Fortalecer os sindicatos

Entre os pontos cruciais a serem revistos, estão questões mais pontuais, como a chamada ultratividade – garantia de que os termos de uma convenção coletiva assinada continuam válidos caso o empregador se negue a negociar um novo acordo, princípio derrubado pela reforma – e o trabalho intermitente, que pode ter um espaço maior de negociação com o setor patronal, na avaliação de André.

O resultado da Reforma Trabalhista foi o aumento da informalidade, que bateu recordes / Pedro Stropasolas

O centro da discussão passa pelo fortalecimento dos sindicatos, fortemente atacados com a legislação aprovada por Temer. Nesse contexto, ganha relevo o debate a respeito do financiamento, abalado com o fim do imposto sindical.

Criada nos anos 1940, a contribuição correspondia a um dia de salário de cada trabalhador por ano, recolhido de forma compulsória e distribuído às entidades sindicais — mecanismo semelhante existia para financiar as entidades patronais.  A reforma trabalhista acabou com a obrigatoriedade do imposto, e seu desconto em folha de pagamento ficou condicionado à autorização de cada empregado.

O prejuízo do movimento foi enorme. No último ano de obrigatoriedade da contribuição, a arrecadação foi de R$ 3,05 bilhões. Em 2021, o valor foi de R$ 65,5 milhões, 97,5% inferior.

As entidades sindicais não defendem o retorno do imposto nos mesmos moldes, criticado por favorecer entidades pouco representativas. Entre as alternativas colocadas, algumas já em discussão no Congresso Nacional, as mais fortes apontam para incluir na legislação a possibilidade de que o financiamento se dê por meio de uma contribuição aprovada pelos trabalhadores em assembleia, discutida junto com as convenções e acordos de cada categoria.

“Essa contribuição pode ser mensal ou anual, como era a contribuição sindical anterior. O principal é que a discussão está vinculada ao processo de negociação, aos ganhos que aquele sindicato vai buscar para o grupo de trabalhadores que ele representa”, explica André.

A prática já foi utilizada por entidades anteriormente, mas não havia uma legislação específica a respeito, o que abria margens para questionamentos jurídicos. Com a reforma trabalhista, ela foi vetada de vez.

Fausto aponta a contradição de uma reforma que permite que você negocie quase tudo da CLT – “o famoso negociado sobre o legislado” –, mas impede que o financiamento das entidades sindicais seja efetivado por meio de acordo coletivo aprovado em assembleias.

“Ou seja, você tem problema ali que você percebe claramente que era a intenção do governo anterior de simplesmente desmontar o movimento sindical”, afirma.

“Agora é o momento da gente fazer esse debate e compreender que financiamento sindical não é imposto, é uma necessidade de um país que precisa ter um movimento sindical forte, que é de certo modo um indicativo da saúde da nossa democracia. E isso também não sou eu que estou falando, quem disse isso foi o Biden nos EUA.”

Formatar a economia do futuro

Toda essa discussão coloca o MTE em lugar de centralidade no novo governo, propondo discussões que partem das relações entre trabalhadores e patrões, mas vão além.

“A questão de emprego, como criar políticas públicas para viabilizar mais emprego, e empregos de qualidade. Isso também é uma questão que afeta diretamente a sociedade e os trabalhadores e o ministério do Trabalho é um dos protagonistas, ou é o protagonista, para esse cenário”, afirma André.

“É essencial que o ministério passe a ocupar um papel relevante na discussão da política econômica nacional. Porque não tem jeito, para você gerar emprego, trabalho, renda, precisa ter uma economia que cresce, e o MTE precisa ser ator fundamental nessa discussão”, avalia Fausto.

Ele frisa que estamos passando por um momento de “mudança estrutural da organização do trabalho no mundo”, com os avanços tecnológicos acelerados, a “plataformização” do emprego e os “dilemas da nossa informalidade que já são estruturais”.

Hoje, aponta o diretor do Dieese, “sequer você tem uma avaliação por parte do Estado brasileiro das transformações que estão acontecendo para as implementações seja de legislação, seja de política pública, que deem conta de fazer essa transição entre uma economia historicamente capitalista-fordista para uma nova economia está surgindo e que, sinceramente, pouca gente hoje sabe o que é, mas que está mudando”, destaca.

“Eu diria que o Ministério do Trabalho hoje tem uma relevância muito próxima ao que nós vivemos lá nos anos 90 do século passado aqui no Brasil, na época da reestruturação produtiva.”

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