Greve na Funai rompe silenciamento em cidades onde defensores dos indígenas vivem sob ameaça
Ameaçados por ruralistas e criminosos ambientais, indígenas e indigenistas foram às ruas pedir justiça por Dom e Bruno
A greve nacional convocada na quinta-feira (23) por trabalhadores da Fundação Nacional do Índio (Funai) rompeu o silenciamento e se espalhou por cidades do interior dominadas pelo agronegócio e por criminosos ambientais, onde não há tradição de mobilização do campo progressista.
Os atos, que contaram com apoio de organizações indígenas locais e nacionais, pediram justiça pelas mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips e exigiram a exoneração do presidente do órgão indigenista brasileiro, Marcelo Xavier.
A Indigenistas Associados (INA), entidade de servidores da Funai que coordenou os atos, ainda não divulgou o número de municípios que registraram mobilização. Mas informou que, além dos grandes centros urbanos como São Paulo e Brasília, a mobilização alcançou quase todas as 39 cidades onde há coordenações regionais da Funai.
A gente vive no “Bolsoquistão”
“Eu brinco que a gente vive no ‘Bolsoquistão’”, diz um servidor da Funai em Juína (MT), cidade com cerca de 40 mil habitantes. O ato no município matogrossense ocorreu em meio a um “buzinaço” de caminhonetes com adesivos de Jair Bolsonaro (PL).
“Tivemos notícia que em grupos de fazendeiros e grileiros da região circulam áudios com nossos nomes e nos hostilizando”, relatou ao Brasil de Fato, sob anonimato.
O servidor conta ainda que muitos colegas não se sentiram seguros em participar dos protestos, principalmente aqueles que não são concursados e, por isso, correm o risco de ser demitidos.
Indígenas que mandaram vídeos e manifestações de apoio também não puderam participar, por estarem enfrentando invasores nas suas terras. “É um clima que o Bruno [Pereira] conhecia muito bem e que vivemos aqui em maior ou menor grau”, completa.
Luto e mobilização em Atalaia do Norte
Em Atalaia do Norte (AM), onde Bruno e Dom foram assassinados, a frente da sede da Funai foi tomada por manifestantes. Em uma região que ficou conhecida mundialmente pela violência contra indigenistas, os servidores romperam momentaneamente o silêncio e bloquearam a rua em frente à sede da Funai com cartazes e faixas exigindo “nenhuma gota de sangue a mais”.
Lado a lado com indígenas que sofrem violações sistemáticas por caçadores, pescadores e madeireiros, um servidor da Funai de Atalaia do Norte (AM) falou à multidão: “Todas as unidades da Funai estão paradas junto com os povos indígenas, de sul a norte, de leste a oeste. Todo mundo parado para pedir justiça [por Bruno e Dom] e melhores condições de trabalho [para servidores da Funai]”.
Ele passou o microfone para Jader Marubo, ex-coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). “O poder desse município diz que aqui não existe garimpo ilegal. Mas ele existe e foi atacado por uma ação que o Bruno [Pereira] fez, queimando várias dragas. Todas as coisas erradas estão acontecendo no Vale do Javari. E quem pode nos defender é a nossa instituição, que é Funai”, declarou a liderança indígena.
Indígenas vão ao ato reivindicar demarcações
O movimento indígena do município de Lábrea (AM), localizado no final da transamazônica, não costuma estar vinculado a mobilizações nacionais. Embora esteja em pleno arco do desmatamento, há povos que vivem em territórios geograficamente isolados e ainda intocados, comercializando a produção agrícola sustentável na cidade e lutando para melhorar a infraestrutura nas aldeias.
A organização indígena da região, no entanto, ficou alarmada com os assassinatos no Vale do Javari e se juntou aos servidores mobilizados. A Funai local, apesar dos ataques que vêm de Brasília, busca manter a interlocução com habitantes das 44 terras indígenas sob a jurisdição da unidade.
Pela Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), o cacique José Bajaga Apurinã aproveitou o ato para levantar as principais exigências do movimento: a demarcação das 17 terras indígenas que ainda não são reconhecidas oficialmente e a expulsão dos invasores que se aproximam cada vez mais dos territórios ancestrais.
“Esse dia de hoje, de ‘Fora, Xavier’ é muito importante para nós. Ele é uma pessoa que só incentiva a invasão das terras indígenas. A nossa região está abandonada pelo poder público, idêntico ao Vale do Javari. As causas que o Bruno Pereira e o Dom Phillips defendiam impactam diretamente a região do médio Purus”, disse o cacique.
www.brasildefato.com.br/Murilo Pajolla