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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Famílias chefiadas por mães são as mais impactadas pela crise: veja relatos

"O salário médio das mulheres corresponde a 70% do salário dos homens", diz economista - Flávio Costa/ASPTA
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Recorde na desigualdade salarial de gênero empurra mulheres para insegurança alimentar e jornadas estafantes

Elas estão nas periferias, ocupações, favelas, no mercado informal e nos empregos com os piores salários. E têm que se desdobrar para comandar o lar e dar aos filhos alimentação, educação e carinho.

No Dia das Mães, o Brasil de Fato ouviu as chefes de família que dão duro para colocar comida no prato da família e sentem na pele os efeitos mais perversos da crise econômica.

Essas mulheres estão nas estatísticas que demonstram um recorde histórico da desigualdade salarial de gênero no Brasil. No terceiro trimestre de 2021, nas metrópoles brasileiras, as famílias chefiadas por homens tinham média de renda 60% superior à média das famílias chefiadas por mulheres.

Os dados são do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, produzido pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL).

“Mesmo as mulheres que conseguem emprego recebem menos do que os homens, apesar de terem níveis de formação maiores. O salário médio das mulheres corresponde a 70% do salário dos homens”, constatou a economista Paula Guedes, integrante do grupo responsável pela pesquisa.

Dificuldade de conseguir emprego 

Ednete: “Eu tinha colegas homens que conseguiam trabalho um atrás do outro” / Acervo pessoal

Ednete Pereira, de 42 anos, tem muito orgulho da filha única, uma adolescente “muito boa e educada”, nas palavras da mãe. “Quando me vi só eu com ela, foi muito, muito difícil. Aprendi a criar ela sozinha e passei por muitas necessidades”, relembra.

Questões familiares a levaram de Aroazes, interior do Piauí, para São Paulo (SP). Na cidade natal, Ednete era professora da rede municipal. Mesmo com qualificação profissional, ela sofreu para conseguir emprego na capital paulista, onde foi morar com a mãe três meses antes da pandemia de coronavírus.

“Não são todos, mas eu conheço homens que tiveram várias oportunidades de emprego. E eu passei praticamente um ano colocando currículo em todo lugar. Só faltava eu me humilhar para conseguir um trabalho. E foi uma luta pra conseguir”, conta.

Quando finalmente veio a oferta de emprego, o serviço era de meio período, como caixa de supermercado. “Eu não estava dando conta de sobreviver com R$ 720 por mês para pagar aluguel, luz e água. Estava quase desesperada”.

A situação só melhorou quando veio o segundo emprego, como cozinheira em uma escola. Com os rendimentos somados, a pressão financeira aliviou um pouco, mas a jornada de trabalho tripla, nos trabalhos e em casa, cobra seu preço.

“Eu queria de coração que toda mãe, toda trabalhadora tivesse seu cantinho e pudesse se manter com seu trabalho dignamente sem precisar se matar de tanto trabalhar. Muitas vezes a gente não trabalha pra viver, a gente vive para trabalhar”, resume.

Saúde comprometida pela insegurança alimentar

Ana Maria: “ou você paga todas as contas ou você come” / Acervo pessoal

A situação é ainda mais desafiadora para Ana Maria Gomes Santos, 46 anos, que se mudou para São Paulo da pequena cidade mineira de Caraí (MG). “Cheguei com três crianças para procurar uma melhora de vida”, diz. Hoje com cinco filhos, ela é a única fonte de renda da casa. O marido, de 53 anos, está desempregado.

“Passo dificuldades de chegar ao ponto de ter que escolher qual conta vai ser paga. Inclusive eu tenho 10 contas de água atrasadas, porque ou você paga todas as contas ou você come”, relata.

Sem dinheiro para o aluguel, Ana Maria e a família moram na ocupação Gaivotas, no extremo sul paulistano. As necessidades básicas das sete pessoas são supridas com o auxílio doença recebido por ela, além de doações de alimentos destinadas aos moradores da ocupação.

“Eu até estava recebendo o Auxílio Brasil [do governo federal]. Mas ele foi bloqueado quando meu filho de 16 anos começou como jovem aprendiz. Aí constou que ele estava trabalhando. Esse contrato venceu, ele não está mais trabalhando, e meu benefício foi cortado por conta disso”.

Na casa dela, a comida não dá para todo mundo, e os problemas de saúde começam a aparecer. No mês passado, em uma consulta médica, foi informada que seu organismo sofre de deficiência de uma proteína encontrada na carne.

“A médica falou: ‘a senhora precisa se alimentar, comer carne, fruta, verdura, legumes, hortaliças’. Aí eu dei risada. Falei ‘doutora, como assim?’. Isso é uma coisa que está cada dia mais longe da gente”, diz oscilando entre o bom humor e a revolta.

No Dia das Mães, respondeu que seu desejo era esse. “Pode até ser engraçado, mas eu queria um churrasquinho. Acho que todas as mães desejariam poder ter uma mesa farta para colocar todos os seus filhos em volta”, compartilha.

Transformação pela luta 

Maria do Carmo: “organizei uma ocupação porque não tinha lugar para morar” / Acervo pessoal

Maria do Carmo da Conceição Carvalho tem 54 anos e é pernambucana de Caruaru. É mãe de 7 filhos, 3 homens e 4 mulheres. “Sou semi analfabeta. Nunca estudei porque minha mãe me deu para uma pessoa em Belém do Pará para ser escrava aos sete anos de idade”, revela, com uma voz calma, porém firme.

Conseguiu deixar o cárcere privado e, aos 39 anos, decidiu fazer o supletivo para tirar o atraso nos estudos. “Mas só fiz até a 4ª série. Saí da escola por causa da violência doméstica. Meu marido não me deixou seguir nos estudos”.

Como empregada doméstica, Maria do Carmo conseguiu sobreviver e alimentar os filhos, mas o dinheiro não era suficiente para o aluguel. A saída foi apostar na organização política e conquistar o direito de morar. Em 2013, fundou o Movimento Popular pela Reforma Urbana (MPRU).

“Ser mãe chefe de família é complicado. É muito triste você não ter condições de colocar um pão na mesa, de comprar um botijão de gás e cozinhar no carvão e na lenha por causa das altas do preço”, descreve.

Para incrementar a renda, precisou fazer doces em casa para vender na rua. “Tem a questão de você estar num local e vendendo seu material e você ser discriminado por ser de área de favela. Nós moramos em barraco, somos mulheres discriminadas, mulheres de periferia, de favela”, afirma.

O lar de Maria do Carmo é o residencial Severino Quirino. De ocupação irregular, o local foi transformado pela luta dos moradores em um residencial do programa Minha Casa Minha Vida, cuja construção começou em 2019.

Ela revela seu desejo: “nesse dia, espero que cada mãe tenha ao menos comida no prato. Que a gente possa ter esperança em dias melhores. E que nós, enquanto mães, possamos ensinar nossos filhos a lutar, a se empoderar para mudar a cara do país. São os pobres que trabalham para enriquecer cada dia mais o país e os ricos”.

www.brasildefato.com.br/Murilo Pajolla

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