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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Indígenas conquistam reconhecimento nas ruas e nos tribunais

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É cada vez mais frequente o debate sobre a questão indígena nacional – e chama a atenção especialmente o fato de os povos originários serem hoje porta-vozes de si mesmos nas denúncias formais contra a postura genocida de Jair Bolsonaro e contra os pacotes legislativos que tramitam no Congresso Nacional igualmente focados, estrategicamente, em seu extermínio. As atrocidades propostas pelo presidente da República e pelas bancadas do boi, da bala e da bíblia que o apoiam na Câmara e no Senado, se igualam. E fazem pipocar tiros nas florestas, mortes, doenças, desmatamentos, destruição de grandes rios e vergonha internacional.

Enquanto a ganância e os danos provocados pela ala violenta do agronegócio são cada vez mais pops, enganando cada vez menos pessoas, a presença indígena ganha importantes espaços e respeito. A princípio em acampamentos nas ruas, com plenárias políticas e marchas a cada ano mais organizadas, inteligentes e conscientes das simbologias que provocam importantes impactos. Notem-se as mulheres de alguns povos cujos seios nus gritam soberanos as forças ancestrais na luta por seus direitos culturais e de sobrevivência humana.

ASSASSINATOS – A luta é árdua. Nesta semana, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2021”, em que apresenta o pior cenário de toda a história de seus relatórios de violências, desde 1985. São 35 assassinatos – execuções por pistoleiros de aluguel, agromilícias e até agentes públicos –, com crescimento de 75% em relação a 2020, que teve 20, com dois massacres em 2021, de indígenas e agricultores familiares.

Dados parciaisde 2022 registram 14 assassinatos. E comparativamente, os números antes e depois do impeachment da presidenta Dilma Rosseff (2011/ 2015 e 2016/2021), mostram que os conflitos cresceram 54,13% e o número de famílias envolvidas cresceu 55,08%, de 3,5 milhões para 55,3 milhões. A CPT identifica que o impeachment provocou o aprofundamento “de uma política antirreforma agrária, expropriatória e violenta nas áreas rurais” no Brasil.

As prioridades nas lutas são as demarcações de terras, fundamentais para a garantia dos demais direitos assegurados nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que garantem a preservação de recursos ambientais nos territórios tradicionais e reprodução física e cultural dos indígenas, de acordo com seus usos, costumes e tradições.

 MERCÚRIO – Em 2021 foram registradas 109 mortes em decorrência de conflitos, o que significa um aumento de 1.110% em relação a 2020.Do total, 101 mortes foram registradas no estado de Roraima. Todas elas de Yanomami. Todas causadas por ação de garimpeiros. Além disso, o mercúrio usado para amalgamar o outro já contaminou 100% dos Munduruku no Médio Tapajós (PA). Pesquisa realizada pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Fiocruz e o WWF Brasil revela que a 300 km dos garimpos mais da metade dos moradores da zona urbana de Santarém, 306 mil pessoas, apresenta níveis de contaminação até quatro vezes superior ao limite admitido pela Organização Mundial de Saúde.

CAETANO VELOSO – Por conta desse cenário, os acampamentos indígenas em Brasília têm sido mais frequentes e crescentes. O Acampamento Terra Livre (ATL) que aconteceu até a semana passada (4 a 14/4), teve 8 mil indígenas de 200 povos. Eles tiveram diversas agendas paralelas aos atos públicos, em embaixadas, além de atraírem duas dezenas de artistas que levaram milhares de jovens ao Ato pela Terra, em frente ao Congresso, em março. O grupo liderado por Caetano Veloso esteve com o presidente da Câmara, Arthur Lira, presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e também com os ministros do STF Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

As conversas foram os projetos de lei que pretendem abrir terras indígenas aos garimpos e grandes empreendimentos econômicos. No STF, o foco foi o marco temporal, proposta de ruralistas que pretendem limitar demarcações somente a territórios onde os indígenas viviam na data de promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, distorcendo direitos constitucionais.

CENA MARCANTE – No primeiro dia do ATL, a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), instituição que promove os acampamentos, Sonia Guajajara, chegou ao local para a primeira entrevista coletiva do evento bela e respeitosamente conduzida em um ritual de homens XukuruOrorubá, de Pernambuco. A cena marcou o início de momentos emocionantes durante todos os dias que durou o acampamento, realizado por dois terços dos povos originários que vivem em todas as regiões brasileiras.

TRIBUNAL ELEITORAL – Como diria Célia Xakriabá (MG), no centro administrativo do país estava ali uma enorme força ancestral. “Estão conosco também, além dos que já se foram, os que ainda virão”, ressaltou. A jovem oriunda das margens do São Francisco – rio essencial à sua cultura, mas hoje inacessível aos Xakriabá – é participante ativa dos acampamentos e nasceu na luta do movimento indígena. Esteve presente em agendas que aconteceram paralelas ao ATL, como a audiência no Tribunal Superior Eleitoral, em que esteve como parte de um grupo de mulheres pré-candidatas a deputadas estaduais de federais no país.

Foram recebidas pelo presidente Edson Fachin e pela advogada Samara Pataxó, da aldeia Coroa Vermelha, em Porto Seguro (BA), chamada por ele para assessorar o Núcleo de Inclusão e Diversidade da Secretaria Geral da Presidência do TSE.

AMIGOS DA CORTE – “A sociedade tem um déficit histórico com os indígenas”, reconheceu Fachin. Ele enfatizou a necessidade da presença de mulheres no processo democrático. “E (a democracia) será ainda mais verdadeira se tiver a face da mulher indígena”, destacou. O presidente do TSE comentou sobre a importância da terra como elemento de vida “e, assim como dizem os povos indígenas, devemos ser fiéis a esse chamado”, disse.

O presidente do TSE deseja estimular a participação indígena no processo eleitoral – por eleitores, candidatos e candidatas. As mulheres foram à audiência acompanhadas pelo coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena. Ele e Samara, assim como Ivo Macuxi e Cristiane Baré, também se destacaram como amicuscuriae (amigos da corte) no Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2021, na sustentação oral contra o marco temporal, defendido por ruralistas no desejo de expropriação de territórios tradicionais.

Momento histórico, precedido por JoeniaWapichana, que está na própria página do STF na internet: “Pela primeira vez na história do Supremo, um índio sobe à tribuna para fazer uma sustentação oral”. A estreia era de uma mulher indígena que falava a 11 ministros na defesa do território Raposa Serra do Sol”, em Roraima. O ano era 2008 e Joenia saiu vitoriosa. Advogada que nos anos 80 já atuava nos tribunais em Brasília nas lutas do Conselho Indígena de Roraima (CIR) é novamente pioneira como a primeira mulher indígena eleita deputada federal. Sua trajetória foi sempre marcada por sofrer agressões de parte da elite branca, retrógrada e bem-criada, que claramente tentaa exclusão dos povos originários nesse tipo de espaço público.

ELEIÇÕES – Ainda não é possível prever o número de candidaturas indígenas nas eleições de outubro, até porque ainda não estão consolidadas, por conta da lei eleitoral. Mas, estatísticas dos últimos anos indicam a possibilidade de crescimento. Em 2020, o processo eleitoral municipal teve recorde histórico de candidatos indígenas no país. Segundo o TSE, foram 2.111, que representaram 0,39% das candidaturas, o que significou um aumento de 88,51% em relação às eleições de 2016, quando foram registradas 1.175.

Os indígenas representaram 0,34% dos eleitos em 2020, contra 0,26% em 2016. Entre 236 vencedores, 214 ocupam vagas em Câmaras Municipais, dez em prefeituras e doze como vice-prefeitos e vice-prefeitas. Nas eleições de 2018 foi eleita a primeira deputada federal indígena, JoêniaWapichana (Rede/RR).

LUTA GLOBAL – Um dos momentos de destaque das populações indígenas no ano passado foi a admissão de TxaiSuruí, como única brasileira a discursar na Conferência da Cúpula do Clima (COP 26), na Escócia. Ela diz que no exterior as pessoas não sabem exatamente o que acontece no Brasil, mas entendem perfeitamente que a Amazônia está sendo destruída. “O Brasil hoje é uma vergonha internacional”. Ela chegou no ATL quando ainda estava sendo montado, no domingo (3/4), com cerca de 100 jovens e mulheres indígenas. É fundadora da Juventude Indígena de Rondônia, que reúne cerca de 1 mil jovens de 12 povos, entre 15 e 29 anos, que lutam e vivem no estado que é proporcionalmente um dos mais devastados da Amazônia.

MARCO NO DIREITO – Outra agenda importante nesse período de ATL, foi uma conversa relatada por Eloy Terena com a ministra do STF Cármem Lúcia, que comentou com ele sobre a importância de advogados e advogadas indígenas nos tribunais. Ele conta que atualmente são cerca de 15 que atuam em organizações que fazem parte da estrutura da Apib no Brasil. O assessor jurídico da instituição disse que estão em contato constante, e se unem rapidamente em momentos importantes como foi o caso do julgamento do marco temporal no STF.

Eloy Terena acentua inclusive o reconhecimento do modo de organização indígena nos tribunais. Ele cita a petição impetrada (Mandado de Injunção 7.369) em 11 de abril pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil no STF para combate a garimpos. “A Apib foi reconhecida como forma própria de organização indígena e foi aceita como autora da petição. A Apib não tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Foi reconhecida como representante dos povos indígenas por meio de documentos como atas de reuniões e assembleias. Isso é um marco no direito constitucional brasileiro”, ressalta ele.

www.brasilpopular.com/Por Cristina Ávila  – Jornal Brasil Popular/DF

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