Bolsonaro terá que escolher entre agradar o mercado financeiro ou o conjunto da sociedade
É no posto de gasolina que os brasileiros devem sentir um dos principais impactos da invasão russa à Ucrânia. Isso porque o conflito provocou uma enorme instabilidade no mercado internacional de petróleo. O preço do barril tipo Brent chegou a US$119,84 durante o pregão nessa quinta-feira (3), fechando o dia a US$ 110. Somente nesse ano, a commodity registra alta de 36%. O problema é que atualmente a política de preços da Petrobras repassa ao mercado interno quase integralmente esses aumentos, em curtos intervalos. O que transforma a volatilidade externa numa “bomba” no colo do consumidor.
De acordo com o diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), William Nozaki, não é possível prever até que ponto vai a escalada do preço do petróleo. E ele também não afasta a possibilidade de novos recordes históricos.
Obviamente, a trajetória dos preços vai depender do desenrolar do conflito, que parece estar longe do fim. A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, e o segundo em volume de exportação. Apesar de ter sido excluído das sanções aplicadas pelos Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido, o setor de óleo e gás sofre as consequências das restrições financeiras impostas aos russos. Além disso, petroleiras anglo-holandesas e americanas, como a Shell, Exxon e BP, anunciaram a saída do país. As perdas em investimentos ultrapassam os US$ 20 bilhões.
Quando o insumo atingiu seu pico, durante a crise financeira de 2008, o barril de petróleo chegou a US$ 147,50. Contudo, naquela época, não houve repasse ao mercado interno brasileiro, pois a política de preços da Petrobras durante o governo Lula não era dolarizada. A mudança ocorreu em outubro de 2016, após o golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Impactos do PPI
De lá pra cá, a Petrobras adotou a política conhecida como Preço de Paridade de Importação (PPI). Esse arranjo favorece os importadores de combustíveis, apesar do Brasil ter alcançado a autossuficiência na produção de óleo bruto. Os acionistas da estatal se beneficiaram ainda mais.
Em 2021, a Petrobras registrou lucro líquido recorde de R$ 106,668 bilhões. Assim, na semana passada, a direção da estatal anunciou a distribuição de R$ 37,3 bilhões adicionais em dividendos, elevando para R$ 101,4 bilhões o lucro dos acionistas.
Esse “superlucro”, segundo o Ineep, é resultados principalmente da alta no preços dos combustíveis vendidos no mercado brasileiro. Nas refinarias, a gasolina registrou alta de 68% no ano passado. Já o diesel avançou 58%. Nos postos, gasolina e diesel subiram 46% e 47%, respectivamente. No mesmo período, o barril de petróleo acumulou alta de 77%.
Quando o insumo atingiu seu pico, durante a crise financeira de 2008, o barril de petróleo chegou a US$ 147,50 / AFP
Entre a Bolsa e a urna
Dessa maneira, para Nozaki, a nova escalada dos preços internacionais coloca o presidente Jair Bolsonaro numa “situação delicada”. Trata-se do “clássico dilema” entre a Bolsa e a urna, segundo ele. “Se Bolsonaro mantém o PPI, ele agrada o mercado financeiro e desagrada o eleitorado. Se muda o PPI, acontece o contrário. Desagrada o mercado e agrada o eleitorado”, explicou.
Para ele, a guerra vai expor a “dependência energética” brasileira, promovida às custas do “desmonte” do sistema Petrobras nos últimos anos. Além disso, ele afirma que o governo e a gestão da estatal “se omitiram” no último período sobre as responsabilidades em torno do aumento do preço dos combustíveis.
O quadro tem impacto sobre toda a população, sem exceções. Com transporte essencialmente rodoviário no Brasil, a alta nos preços dos combustíveis acaba se disseminando por toda a cadeia produtiva. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, o grupo Transportes apresentou a maior variação (21,03%) e o maior impacto (4,19 pontos percentuais) na inflação de 10,06% registrada no ano passado.
Alternativas
Por outro lado, diante da omissão de Bolsonaro e sua equipe, o Congresso Nacional ensaia alguma reação, que também deve ganhar impulso em função do cenário externo conturbado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou nesta semana que dois projetos de lei que tentam reduzir os preços da gasolina e do diesel estarão na pauta da Casa na semana que vem.
O Projeto de Lei 1.472/2021, de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE), prevê a criação de um fundo de estabilização para os combustíveis. Já o Projeto de Lei Complementar 11/2020, de autoria da Câmara dos Deputados, pretende fixar uma alíquota única do ICMS cobrado pelos estados sobre os combustíveis.
Nozaki acredita que são iniciativas importantes, mas apenas “paliativas”. “O problema está relacionado a um conjunto de decisões, como a diminuição do investimento em refino e incapacidade de processar derivados, por exemplo. Passa também pela abertura do mercado para entrada de importadores – hoje são mais de 390 atuando no mercado brasileiro”. Nesse sentido, ele afirma que a estabilização dos combustíveis no Brasil exige a elaboração de uma “nova política” para a Petrobras.