Dando sequência às reportagens vinculadas aos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, destaca-se aqui a situação das mulheres negras, cerca de 25% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Todas as pesquisas confirmam que as mulheres negras continuam na base da pirâmide social, ganhando menos e em trabalhos com mais precariedade. “O racismo estrutural impede a população negra de sair do gueto”, analisa Lucimara da Silva Cruz, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Na visão de Lucimara, o racismo se recicla para manter “a dominação sobre a maioria das brasileiras e brasileiros e continuar explorando-nos como mão de obra barata”, como diz a música A Carne, de Seu Jorge, Ulises Capelleti e Marcelo Fontes, “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.
A Carne, de Seu Jorge, Ulises Capelleti e Marcelo Fontes; canta Elza Soares
Como comprova a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, feita pelo IBGE, em 2019. Pelo levantamento, em 2018, as mulheres negras receberam em média, 44,4% do salários dos homens brancos.
O estudo do IBGE aponta também o racismo e o machismo no mercado de trabalho. Somente 29,9% de negros exerciam cargos de gerência. Outra forma do racismo se manifestar diz respeito à remuneração. Mesmo com mais escolaridade, devido às cotas, as negras e negros ganhavam menos. Em 2018, o rendimento médio mensal da população branca foi de R$ 2.796 e das negras e negros foi de R$ 1.608. Entre as pessoas com nível superior, os brancos ganhavam 45% a mais.
Lucimara explica a discriminação que ocorre no serviço público como uma das formas de manifestação do machismo e do racismo que atinge em cheio as mulheres negras. Ela conta que a maioria dos cargos de confiança, que são escolhidos pelos dirigentes, é constituída de homens brancos. “Essas indicações dão o diferencial entres os salários e mantêm as negras e negros com salários mais baixos”.
Inclusive, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, se aprovada, pode aprofundar “a exclusão das pessoas que não têm sobrenomes ligados a oligarquias” e “as pessoas indicadas para os cargos de confiança continuarão sendo os homens brancos de sempre”.
Para Raimunda Leone, secretária adjunta de Igualdade Racial da CTB, “a desigualdade no mercado de trabalho comprova que o sistema capitalista aprofunda o racismo, que se forjou na época do escravismo, e o mantém como forma de exploração do capital sobre o trabalho, impedindo transformações mais profundas na sociedade”.
Por isso, argumenta Lucimara, “a luta antirracista é parte intrínseca da luta de classes para a construção de um novo mundo, sem racismo, sem machismo e com oportunidades iguais”. Para isso, “necessitamos da política de cotas nas universidades”, complementa Raimunda.
De acordo com o IBGE, em 2020, durante a pandemia, 17,8% dos negros estavam desempregados, 15,4% dos pardos e 10,4% dos brancos. “Uma das formas de manifestação do racismo estrutural se dá no mercado de trabalho”, diz Raimunda, e “principalmente as mulheres negras são as mais exploradas com os piores salários e as piores condições de empregabilidade”.
Além disso, “a violência nos atinge com maior força”, acentua Lucimara. De acordo com o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ocorreram 1.350 feminicídios em 2020 e 61,8% das vítimas foram mulheres negras. Ela reforça também que as negras sofrem com as mortes de seus filhos, muitos pelas mãos do braço armado do Estado, a polícia.
Como mostra o 15º Anuário, a polícia matou 6.416 pessoas no ano passado, sendo 78,9% de negros – quase 8 em cada 10 – 76,2% com idades entre 12 e 29 anos e 98,4% do sexo masculino. “Todos os anos choramos a morte de nossos filhos, executados invariavelmente pela polícia”, lamenta Raimunda.
“A violência policial nos retira do mercado de trabalho também”, assinala Lucimara. “A guerra às drogas empurra os jovens negros para a criminalidade porque ficam fichados na polícia, muitas vezes por portar 2 gramas, 5 gramas de alguma droga e aí não conseguem entrar para o mercado formal de trabalho, indo para a criminalidade ou para a informalidade, em total precariedade”. E as mães sofrem ainda mais.
Por isso, “é essencial a atuação das mulheres negras na campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres para denunciar esse recorte racial na opressão exercida pela ideologia patriarcal para nos manter fora da esfera pública e dos espaços de decisão do país”, define Lucimara.
www.ctb.org.br/ Marcos Aurélio Ruy