Justiça tem decisões a favor de trabalhadores ofendidos por conta de características pessoais e até fé religiosa. Advogado da LBS, Fernando Hirsch explica como agir para coibir a violência. Confira
Em um tempo em que exigir respeito à cor da pele, características físicas, orientação sexual ou fé religiosa é visto por conservadores como vitimismo, patrões e gestores tendem a naturalizar ofensas ditas em falso tom de brincadeira que causam constrangimento ou humilhação aos trabalhadores e trabalhadoras. Isso acontece como forma cobrança por metas, ou até mesmo porque os gestores ou colegas “não vão com a cara do companheiro de trabalho”, querem se vingar de algo ou se divertir com apelidos pejorativos.
A agressão moral (ou bullying) é uma forma de violência que resulta, em muitos casos, em adoecimento mental. E é de responsabilidade da empresa, não apenas de gestores, entendem juízes da Justiça do Trabalho, que têm decidido a favor de trabalhadores que entram com ações se queixando da forma como foram tratados.
Recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deram ganho de causa a vítimas de assédio moral que entraram com ações contra as empresas onde ocorreram os constrangimentos e as humilhações.
Magro demais
Um deles é o caso de um trabalhador da Via Varejo S/A, grupo que controla as Casas Bahia e o Ponto Frio, que era constantemente humilhado por seu porte físico magro. De acordo com a ação, o funcionário afirmou que seu chefe cobrava seu trabalho de forma agressiva e o tornava alvo de chacota, com frases como “e aí, magrelo, tá fraco, não vai dar conta do recado”.
A Justiça condenou o grupo Via Varejo a pagar indenização de R$ 5 mil reais ao trabalhador, neste caso.
Fé religiosa sob ataque
Uma outra ação se refere à reclamação de uma trabalhadora do HSBC Bank Brasil, que foi condenado a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos. Uma funcionária de uma agência no Rio de Janeiro, que também era dirigente sindical, foi hostilizada por gestores e por colegas de trabalho após denunciar irregularidade, no exercício atuação como sindicalista. Neste caso, os colegas e o chefe atacaram sua religião.
Em 2010, um pó branco apareceu nas mesas dos empregados da agência e uma colega a acusou de ter colocado “pó de macumba”, com base em sua religião, a Umbanda. Mas não foi apenas isso. Ela também ouviu ofensas como “macumbeira vagabunda e sem-vergonha” – frases que foram acompanhadas por gestos obscenos.
Uma investigação posterior constatou que pó vinha dos dutos do ar-condicionado.
Em seu parecer, o Ministério Público do Trabalho (MPT) deixou claro que “além de não tomar nenhuma atitude para coibir ou reprimir as agressões e as expressões injuriosas, o banco afastou a vítima do serviço e não puniu a agressora”.
“Tratou a dirigente sindical, portanto, de forma diferenciada e mais rigorosa que a empregada agressora, que nada sofreu”, afirmou o MPT.
Chacota por causa da roupa
RCC, trabalhador em Tecnologia da Informação, também carioca do “Rio 40 Graus”, conta que quando começou a trabalhar em uma organização, a faixa etária da maioria das pessoas era acima dos seus 24 anos.
“Eu tenho hiperhidrose, que faz com que eu tenha suor muito acima da média das pessoas. Sendo o Rio, lugar muito quente, a situação piorava. Consultei a presidência sobre protocolos de vestimentas e o presidente disse que não havia e nem haveria distinção, então eu poderia trabalhar de bermuda sem nenhum problema”, ele diz.
Mas, na prática, foi diferente. A maioria dos diretores fazia chacota de suas roupas, chamando-o de calças curtas e de “o menino da juventude”, relacionando sua pouca idade à uma suposta imaturidade.
“Eu me sentia mal em cada uma dessas ocasiões. Cheguei a me questionar sobre o meu profissionalismo por não me vestir como a maioria se vestia. Não encontrava ninguém para me apoiar”, conta RCC.
Eu ficava triste. Cheguei a questionar minha capacidade profissional por algo que era meramente estético. Questionei se valia a pena sofrer fisicamente para me sentir incluído ou aceito
No caso de RCC, não houve processo. A solução veio com uma mudança de postura do presidente da organização, que teoricamente, deu o exemplo. Ele passou a frequentar certos ambientes de trabalho, vestindo-se de maneira mais despojada. Por se tratar de um alto cargo, nenhum outro membro da direção, tampouco os outros funcionários mencionavam qualquer referência às suas vestes. E assim o assunto foi silenciado.
O advogado especialista em Direito do Trabalho, Fernando José Hirsch, sócio do escritório LBS, explica que a empresa tem a obrigação de fiscalizar o ambiente de trabalho para que não ocorram esses casos.
“A empresa é responsabilizada na hipótese de qualquer lesão moral entre os trabalhadores. É necessário haver políticas de recursos humanos que valorizem o respeito entre as pessoas”, diz o advogado.
Dano moral
E os casos, ainda que de menor gravidade, já podem ser considerados como ‘dano moral’. Até mesmo no que, como poderiam dizer os conservadores, são simples brincadeiras que não machucam ninguém.
São aqueles casos em que algumas pechas, apelidos, formas de se referir são praticadas constantemente como chamar o colega negro de “negão”, homossexuais de “gayzinho” ou “sapata”, além de se referir às pessoas com “gordinho”, “careca”, “tampinha”, “loira burra” etc.
Ou seja, o que alguns consideram natural, para quem ouve pode causar sofrimento. E geralmente causa, ainda que em menor dimensão para alguns do que para outros.
Gravidade de lesão
Fernando Hirsch afirma que qualquer constrangimento se configura como dano moral e a ‘quantificação do dano’ no Judiciário depende da gravidade da lesão, da conduta do infrator e da condição financeira do agressor (a empresa).
Isso significa que eventuais valores de indenização definidos pela Justiça levarão em consideração o grau do dano e a capacidade financeira da empresa.
Para o grau do dano, o advogado explica que há os casos em que há apenas um incômodo à um constrangimento que a vítima consegue suportar sem consequências mais graves como o adoecimento mental.
Mas há os casos em que essas situações causam depressão, stress, síndrome de pânico e outras patologias que requerem tratamento, afastamento e até internação, a depender da gravidade.
Nesse caso, diz o advogado, a penalização da empresa tem que ser ainda maior. “Primeiro costuma-se verificar qual a conduta da empresa. Se ela permitiu que acontecesse o fato, se promoveu alguma competitividade, ou seja, se acaba estimulando o assédio moral. Depois avalia-se a condição financeira da empresa para definir multa e punição”.
Para exemplificar ele diz que uma multinacional não vai se preocupar em mudar sua política de recursos humanos se for multada em mil reais, mas para pequenas empresas esse valor acaba fazendo diferença.
Como agir para coibir a violência
Fernando Hirsch explica que o “dano moral” ocorre quando há uma ofensa à moral ou a honra do trabalhador e está relacionado vários aspectos como condição física, mental, raça, gênero, orientação sexual, idade, entre outros. Ações na Justiça podem se referir a uma situação ou quando o assédio é recorrente.
Os mais frequentes tipos de assédio que resultam em danos morais são:
- Apelidos pejorativos
- Ofensas
- Ameaças
- Broncas frequentes e exageradas na frente de colegas e clientes
- Xingamentos
- Comentários maldosos sobre a aparência da pessoa
- Crimes de racismo ou LGBTfobia
- Assédio sexual
O advogado reforça ainda que o assédio, seja praticado por colega de trabalho ou chefia, a empresa pode ser responsabilizada pelo dano moral.
É necessário provar a situação de assédio em uma eventual ação na Justiça. Gravações, fotos, e-mails, conversar virtuais em redes sociais, capturas de tela (prints) de conversas e ofensas em redes socais e no ambiente de trabalho, relatos de testemunhas.
www.cut.org.br/ Andre Accarini