Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ sábado, setembro 21, 2024
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“Nós trabalhadores temos que virar a mesa, porque somos maioria”

Entrevista e análise de conjuntura com o presidente do Sindicato dos Frentistas da Bahia (Sinposba), Antônio Lago
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Fenepospetro – Pelo menos desde 2016 os trabalhadores enfrentam um momento difícil, de arrocho e perda de direitos, agravado pela crise financeira e pela pandemia de covid-19. Qual é a leitura que o senhor faz desse cenário?

Antonio Lago – Desde o golpe que derrubou a ex-presidente Dilma Roussef e o Temer assumiu, começou a se implantar no Brasil um projeto de exclusão social. Antes tínhamos um projeto de inclusão dos trabalhadores e daqueles que não tinham renda. Havia um processo de proteção social bem amarrado, mas isso estava incomodando as elites e também ao empresariado mais conservador. É claro que não estava incomodando o empresariado progressista, que tem visão social, pois para ele estava ótimo, todo mundo estava ganhando dinheiro. Já o conservador não aceitava de maneira nenhuma que houvesse essa expansão social e que as pessoas pudessem ter mais qualidade de vida. Isso criou o incômodo que resultou na armação do golpe contra a presidente Dilma.

Assumiu Michel Temer, que implantou o projeto da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e fez uma reforma trabalhista que mexeu em 117 artigos de proteção ao trabalhador, que faziam parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Um projeto 100% neoliberal, para atender justamente às demandas do “mercado”, como eles falam.

Eles diziam que era para gerar empregos… 

É o famoso canto da sereia. Diziam que a flexibilização das leis ia gerar seis milhões de empregos, mas o desemprego só aumentou desde então. Na verdade, isso já era defendido desde a década de 1960 e as leis trabalhistas já tinham sido muito flexibilizadas, não tinha mais o que flexibilizar. Era hora de implementar direitos, não retirar direitos, mas o setor escravocrata do nosso país, que infelizmente ainda domina, ele entende que só tem que tirar mais e mais do trabalhador. É aquela máxima do capital, lucro máximo e prejuízo mínimo – e o prejuízo sempre cai na mão do trabalhador.

Com a reforma veio o trabalho intermitente, o horário fracionado, o pagamento por hora ou por diária. É a legalização das fraudes nas relações de trabalho, que antes eles faziam por debaixo dos panos. Quando as entidades sindicais descobriam e denunciavam, eles eram condenados a pagar o valor integral devido aos trabalhadores, mas com a lei protegendo e autorizando medidas que antes praticavam de forma irregular, eles estão nadando de braçada, infelizmente.

Está acontecendo aí na Bahia a contratação por horas e diárias avulsas? 

No nosso setor de revenda de combustíveis não, por conta da convenção coletiva. Eles tem essa cautela de não implantar, mas se por acaso a gente vacilar eles implantam. Em outros segmentos já vem acontecendo, principalmente no comércio.

Em muitos lugares do Brasil os patrões estão resistindo a negociar as convenções coletivas…

Como uma forma de pressão, para tentar aprofundar ainda mais a retirada de direitos. É uma chantagem para aceitarmos concessões, o que não é bom para o trabalhador.

Os frentistas da Bahia estão sem renovar a convenção coletiva há dois anos. Qual é o impasse entre trabalhadores e patrões que impede a assinatura de uma nova CCT? 

Aqui tem um diferencial. É que ajuizamos contra eles uma ação para a implantação da assistência à saúde para todos os trabalhadores. Essa ação foi ajuizada em outubro de 2017, eles já perderam duas fases, mas a ação chegou à terceira fase de recurso. Tem uma multa que eles vão ter que pagar se perderem, uma multa que vai ser repassada para toda a categoria. Eles estão usando a negociação como moeda, querem em troca que a gente desista da ação que ajuizamos para conquistar um benefício social para a categoria.

Fomos bem claros: ação judicial se resolve na Justiça, já a convenção coletiva é um ato administrativo que se negocia entre os dois sindicatos. Se nós chegarmos a um acordo na questão da ação judicial, podemos pedir uma audiência de conciliação para bater o martelo.

Somos duas entidades sindicais, é preciso haver equilíbrio e bom senso, mas eles têm dificuldade para dialogar. O patronal aqui do Nordeste tem um pensamento escravocrata, acham que temos que sempre obedecer a eles, que empresário não tem que dialogar com trabalhador. São pouquíssimos os que têm uma visão mais progressista e esses, infelizmente, nunca assumem o poder no sindicato patronal. Se assumissem, seria outra realidade, mas sempre quem assume ou tem uma visão conservadora ou não tem autonomia, fica dependendo dos outros.

Os donos de postos, dentre outros empresários, tiveram ajuda do governo para manter seus negócios funcionando durante a pandemia, por meio do Programa de Manutenção de Empregos e Renda (Pronampe)…

Todos eles se utilizaram desses benefícios, realizaram suspensões de contrato e reduções de jornada, os trabalhadores receberam contrapartidas do Estado, e eles ficaram sem pagar os encargos sobre o montante salarial.

Mas mesmo assim eles não toparam dividir a proteção com os trabalhadores, demitindo muitos logo assim que puderam. Não é verdade? 

Assim que foram concluídos os contratos de suspensão ou de redução de jornadas, muitos alegaram que não tinham mais condições de manter empregos e demitiram. Vou dar um exemplo, havia postos que tinham dez trabalhadores em média, desses dez eles demitiram três e ficaram com sete. O detalhe é que a demanda permaneceu a mesma, não houve uma queda expressiva, a não ser bem no início da pandemia, quando teve aquela paralisação geral e poucos veículos circulavam nas cidades. Quando retornou de forma gradativa o movimento, os carros voltaram a abastecer, mas as pessoas que foram demitidas não foram recontratadas, nem novos funcionários foram contratados para assumir o lugar. Eles mantiveram o mesmo quadro apertado para atender o mesmo volume de antes da pandemia. É aquele ditado popular: patrão é igual a gato, mesmo de barriga cheia está sempre miando.

Dizem até que é muito difícil ser empresário no Brasil.

O presidente diz que por isso tem que flexibilizar e já mandou mais uma medida provisória, dentre tantas que mandou para o Congresso, justamente para ajudar o empresário e prejudicar o trabalhador. A tal carteira verde e amarela é mais um exemplo disso, se passar vai ser uma tragédia para nós, porque não vão mais pagar 13º, as férias vão ser só quando eles quiserem… Haverá um retrocesso histórico que não será bom nem para o setor econômico. As pessoas ficam comemorando, mas é o famoso tiro no pé.

Desde quando assumiu esse projeto de governo, que o povo elegeu, que dizia que ia fazer e acontecer, acabar com a corrupção e com a violência, o que aconteceu foi justamente o inverso. Houve um incremento da violência e do desvio de recursos de forma camuflada. Houve o aumento do desmatamento, que antigamente era crime, mas que agora está legalizado. Aquele agente público que trabalha conforme a lei e a Constituição hoje é transferido de unidade, sofre um assédio muito grande. Já aqueles que seguem a cartilha do novo projeto não, esses são beneficiados, são promovidos, haja vista o ministro do Meio Ambiente, que faz e acontece, ainda tira foto do lado das toras de madeira, mas nada acontece com ele. Nunca se viu um ministro do Meio Ambiente fazer isso.

O Brasil de 2016 para cá está retornando à Idade Média, onde só quem ganha é quem produz, o trabalhador não ganha nada, vive das migalhas.

Conseguiram convencer as pessoas de que os sindicatos atrapalham?

Muitos dos nossos colegas trabalhadores em postos de combustíveis, do frentista ao supervisor, têm uma visão muito imediatista. Enquanto não atinge a eles, agem como se não estivesse acontecendo nada, está tudo de boa. Quando começa a afetar a vida pessoal e o bolso deles, começam a despertar que aquilo está fazendo mal e será preciso tomar uma atitude. Infelizmente, muitos ainda estão adormecidos, estão hibernando igual aos ursos polares, não despertaram desse sono profundo para o fato de que temos que virar a mesa, porque somos maioria.

Não podemos deixar que uma minoria do setor econômico fique lá mandando no Congresso e entregando nossas riquezas ao capital estrangeiro enquanto nós batemos palmas. Se o setor energético for privatizado, por exemplo, já era a energia barata no Brasil. Quem vai pagar essa conta somos nós, principalmente a população mais carente. Os subsídios que existem hoje não vão existir mais, a não ser que o governo dê. Porque os empresários no Brasil não querem tirar dinheiro do bolso para investir, querem é que o governo invista com dinheiro do BNDES, do Banco Central ou do Banco do Nordeste. Em geral, o empresário brasileiro não investe do bolso dele, quer que os bancos estatais invistam para depois ele administrar, entrando apenas com uma pequena parcela do lucro que ganha.

Nos Estados Unidos o empresário tem que coçar o bolso, tem que investir, ou não recebe nenhum benefício estatal. Aqui o Estado primeiro dá o benefício para depois o empresário ficar chorando que não tem como pagar. O agronegócio é um exemplo claro disso, toda vez que chega a hora deles pagarem a dívida que têm, voltam com a ameaça de que o Brasil vai quebrar se não houver a renegociação da dívida do agronegócio. Aí o Governo vai lá e refinancia a dívida por mais 30 anos, enquanto a agricultura familiar, que é quem realmente alimenta o Brasil, essa não tem renegociação nenhuma. Se o pequeno produtor não pagar a dívida, o banco vai lá e toma o trator, toma a máquina, penhora o sítio. São dois pesos e duas medidas. No Brasil, infelizmente, tem muito disso.

Há esperança de que vamos conseguir virar esse jogo?

Tem sim, depende de cada um de nós. O trabalho de consciência política tem que começar a abrir a mente das pessoas. Desde o primeiro dia da posse desse atual projeto eu digo isso. Tem que ser um trabalho de formiguinha, todo mundo junto, alertando uns aos outros, despertando os demais para a realidade do que está acontecendo. Quem é o culpado por não termos ainda vacina em quantidade suficiente? Quem é o culpado por não termos chegado nem a 12% da população imunizada com as duas doses? Enquanto isso, Estados Unidos, Alemanha, França e Japão já têm mais de 40% da população vacinada. A primeira dose nem se fala, porque eles estão bem à frente, nós não chegamos nem a 30%.

Temos chance sim de virar o jogo. Precisamos mostrar onde estão os culpados e não dar muita atenção para o quê o governo fala, porque eles criam determinadas situações para tirar o foco daquilo que os incomoda. Quando você vê o Bolsonaro fazer uma “motociata” em São Paulo com milhares de motociclistas, isso é para tirar o foco da CPI da Covid, que está incomodando ele, a família dele e todo o projeto de poder deles. Porque quando a mídia começa a mostrar e as pessoas começam a ver que o governo é o verdadeiro culpado, isso tira a popularidade dele. A popularidade dele despencou e a tendência é que caia ainda mais. Porque esse presidente não precisa de ajuda para se derrubar, é só ele abrir a boca.

Todos nós trabalhadores e sindicalistas precisamos estar alertas e unidos para mudar o projeto de governo, não adianta cada um puxar a corda para o seu lado, que aí não vamos a lugar algum. Ou nos unimos e criamos uma frente ampla que vá realmente combater esse projeto ultra liberal que está no governo, ou nós vamos repetir o mesmo erro de 2018.

Os Estados Unidos fizeram isso, constituíram uma frente ampla que elegeu um governo mais progressista, mais preocupado com o social, e nós estamos vendo o resultado através da ampliação das vacinas. Agora eles já podem até se dar ao luxo de não mais usarem máscaras. Nós poderíamos estar melhor do que eles, porque temos o melhor sistema de saúde pública do mundo, o SUS. Temos dois laboratórios públicos que produzem vacinas, a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan, todos dois prestam serviços ao SUS. Temos ainda a Universidade Federal de Minas Gerais que produz vacinas. Nós temos tudo, não estamos devendo nada a nenhum país do mundo. O que falta é o governo investir na ciência, ampliar recursos para a educação e para as pesquisas, para não ficarmos dependendo do exterior. Precisamos mudar o jogo com um projeto de governo que tenha uma visão mais ampla, de 360 graus, que não fique olhando só para uma pequena parcela da população do Brasil.

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