Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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‘Coronavírus não é vírus democrático ao matar ricos e pobres’, diz presidente do Instituto Locomotiva

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. — Foto: Reprodução
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Para Renato Meirelles, cuja consultoria de pesquisa já fez 200 mil entrevistas durante a pandemia, mais pobres não apenas estão comendo menos e empobrecendo mais, como também morrendo 3 vezes mais

“O coronavírus é um vírus democrático”. Em muitas ocasiões este conceito se disseminou na internet e em diálogos sobre os impactos da pandemia, com base no argumento de que o vírus não escolhe quem vai matar pelo tamanho de sua conta bancária. Porém, para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, consultoria de pesquisa que entrevistou cerca de 200 mil pessoas no último ano, essa afirmação é uma falácia porque não há igualdade alguma nos meios de prevenção da doença, o acesso a tratamento de qualidade e nem ao impacto que a crise econômica causada pela covid-19 atinge ricos e pobres.

“É mentira que o coronavírus é um vírus democrático, que mata pobres e ricos. Os anticorpos sociais para combater o coronavírus são diferentes dependendo da classe social”, afirma Meirelles ao Valor Investe.

Entre conversas on-line e presenciais, qualitativas e quantitativas, a equipe do Instituto Locomotiva percebeu com exatidão que os menos afortunados estão sim sendo mais prejudicados por toda a calamidade de saúde pública e consequências econômicas.

Primeiro porque os menos abonados não tiveram tanta escolha de ficar confortáveis e seguros no trabalho remoto – boa parte trabalha em áreas de serviço e indústria, sem contar os informais, que dependem de ir à rua para trabalhar e usar transporte público para se deslocar.

Quando as empresas começaram a demitir e fechar as portas, foram eles também os mais prejudicados e que ficaram sem fonte de renda fixa.

“Os dados por contaminação nos moradores de favelas, por exemplo, apontam para o dobro do que as pessoas das camadas mais ricas. Os pobres precisam sair para trabalhar, são eles que garantem que o Brasil não pare. São eles os que compõem a maioria dos trabalhadores do serviço de limpeza urbana, enfermagem, recepção de hospitais e clínicas, e precisavam sair de casa”, lembra Meirelles.

Mas não é apenas pela obrigação de trabalhar na rua que os mais pobres estão mais expostos. Em casas com um ou dois cômodos, que servem de teto para famílias de mais de cinco pessoas, é de se esperar que o isolamento social seja ainda mais desafiador.

Só 32% dos 2.087 moradores de 72 favelas do Brasil disseram que estão procurando seguir as medidas de prevenção. Uma boa parte (33%) até tenta, mas admite que nem sempre consegue, e o restante não consegue mesmo (30%) e nem tenta (5%). Entre quem não consegue cumprir as medidas, a principal justificativa é a necessidade financeira: 78% apontam como motivo “Necessidade de trabalhar/Dinheiro”.

Quanto ao acesso à saúde, se no Brasil só 26% dos brasileiros possuem plano de saúde particular – muito ligado ao trabalho formal. Na favela, o acesso a um plano privado é raridade: só 3% das pessoas têm acesso a rede de hospitais, leitos de UTI privadas e atendimento rápido, segundo o estudo.

“O coronavírus jogou luz sobre desigualdades que já existiam, com olhares trágicos”, diz o presidente do Instituto.

Além das mortes, a fome

O auxílio emergencial ajudou quem passava dificuldade, mas seu fim em dezembro de 2020 coincidiu com um quadro bem desafiador, de inflação crescente, principalmente de alimentos, e menos opções de emprego. Assim, outra consequência da desigualdade provocada pela covid-19 foi escancarada: a fome.

Nos últimos meses, a média de refeições que as pessoas que vivem em favelas fazem por dia caiu de 2,4 para menos de duas (1,9). Sete em cada dez moradores de favelas relatam que faltou dinheiro para comprar comida nos últimos meses, conforme o estudo mais recente do Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única das Favelas (CUFA) e Data Favela, o “A favela e a fome”.

“Já são três meses sem o auxílio emergencial. Na favela, 58% dos moradores receberam a ajuda. Entre janeiro, fevereiro e agora em março, esse dinheiro fez falta para comprar comida, produto de limpeza e pagar as contas”, comenta Meirelles.

Ele destaca que o auxílio tem uma vantagem em relação à doação de cestas básicas: faz a economia local girar, dentro da própria comunidade. “Sem esse dinheiro circulando, os pequenos comerciantes fecham as portas. Esse dinheiro voltava para a economia.”

E as desigualdades não pararam por aí. Nem todos têm acesso a internet rápida e de qualidade e nem a um computador para conseguir acompanhar as aulas on-line. Ainda vamos ver as consequências de um ano quase perdido, especialmente para alunos da rede pública.

“Metade dos estudantes pararam de estudar porque ou não tinham conexão ou o ‘device’ adequado. É difícil fazer uma redação no celular, muita gente não tem planos de dados adequados e tem lugares que nem antena boa tem”, pontua Meirelles. Certamente haverá um impacto ainda maior na desigualdade futura”, completa.

Vacinação

Por ora, a estratégia de vacinação está concentrada no setor público, mas é possível que, em algum momento, seja liberada vacinação na rede privada de clínicas. Quem tem dinheiro pode conseguir se vacinar na frente de outras pessoas que não podem se dar ao luxo de usar o dinheiro do mercado do mês da família para se vacinar.

“Uma coisa é um cenário de abundância de vacina, como a da H1N1; outra é um cenário onde faltam vacinas, cidades estão parando com processo de vacinação por falta de insumos. Não me parece justo e nem ético que quem tem dinheiro possa ter vacina. Em um cenário de escassez é justo que quem tem dinheiro viva e quem não tem morra?”, insinua.

Mulher

Meirelles reitera que, para vencer a desigualdade, o foco precisa ser na priorização das mães, porque são elas “as mais vulneráveis das mais vulneráveis” e “ninguém melhor do que elas para saber se o dinheiro tem que ser gasto com gás, arroz, ou feijão. Não existe gestora melhor que a mulher.” O trabalho do Cufa é centrado nas mulheres das favelas.

www.valorinveste.globo.com /Naiara Bertão

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