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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Parlamentares se articulam para proteger direitos das mulheres de onda conservadora

Marcha das Mulheres Negras em Brasília, em 2015 - Arquivo/Agência Brasil
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Fim do aborto legal no SUS e flexibilização de armas são projetos da “pauta de costumes”, que volta a rondar o Congresso

A pauta de costumes, anunciada como prioridade pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), nova presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, propõe uma série de regulações que atingem diretamente a vida das mulheres.

Quando já era cotada para assumir a principal comissão da Câmara, no início de fevereiro, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) destacou que a pauta de costumes voltaria a ser prioridade.

“Temos algumas pautas que são prioritárias, como a reforma administrativa e qualquer questão relativa à pandemia e, obviamente, que traremos para a Mesa uma série de pautas de costumes”, disse em entrevista ao portal Metrópoles. “O que não acontecerá mais é alguém sentar em cima das pautas de costumes.”

O controle sobre os corpos e as decisões de mulheres brasileiras estão no centro de uma agenda conservadora que o governo de Jair Bolsonaro tenta impor.

Em levantamento realizado pelo projeto Elas no Congresso, do Instituto AzMina, a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ) aparece como a principal autora de propostas que compõem a pauta conservadora.

Dentre essas propostas da parlamentar estão o impedimento da interrupção da gravidez pelo serviço público de saúde e retirada do direito ao atendimento na saúde pública específico para travestis e transgêneros.

O lobby feminista

Minoritário mas aguerrido, um grupo de parlamentares feministas busca maneiras para convencer tanto as colegas mais conservadoras quanto a maioria masculina a não só barrar retrocessos, mas sonhar com conquistas, apesar do momento da pauta de costumes.

“Frear a pauta conservadora é uma prioridade das deputadas e movimentos feministas, porque são políticas de ‘volta ao lar’ das mulheres, como cuidar dos idosos, do marido e dos filhos”, pontua Jolúzia Batista, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), ONG feminista e antirracista. “Querem controlar e vigiar nossos corpos e nossos comportamentos.”

Batista lembra que uma parte dessa pauta já foi incorporada pelo discurso do deputado federal e atual presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), que prometeu não barrar a discussão de nenhuma proposta, ao contrário de Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobretudo em relação à pauta de costumes.

“Nós fomos perdendo o nosso status de cidadãs, de indivíduos perante a lei. Para ter direito a determinadas políticas, estamos relacionadas a um arranjo doméstico-familiar. O que acontece com as outras mulheres brasileiras que não estão dentro desse arranjo? O que será dessas mulheres?”, questiona a assessora.

Combate ao feminicídio

O combate ao feminicídio é outro assunto recorrente no Congresso Nacional quanto à defesa de direitos das mulheres. Segundo o Atlas da Violência de 2020, as mulheres configuram entre as principais vítimas de violência envolvendo uso de arma de fogo na própria residência.

Como resposta, parlamentares feministas precisam se articular para barrar outro projeto da pauta de costumes: a flexibilização do acesso às armas defendido pelo governo federal.

“Vivemos um governo que naturaliza a morte, que se alia e se alimenta da própria violência, que atinge toda a sociedade, mas atinge de forma mais aguda, intensa e permanente os corpos de mulheres, especialmente de mulheres negras”, destaca a deputada federal Erika Kokay (PT-DF).

A opinião de Kokay coincide com a deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA).

“A bancada da bala e seus apoiadores fazem um debate muito contraditório, porque defendem que o armamento pode beneficiar as mulheres, o que é um absurdo. As pesquisas e as estatísticas mostram que ocorre o contrário: quanto mais armas, maior o índice de violência contra a mulher e de feminicídio.”

Um projeto que ilustra essa contradição da lei de proteção à vida das mulheres é a proposta de alteração do Código Penal que determinar a “razão de sexo feminino” para a causa do crime de feminicídio, retirando o gênero e excluindo mulheres travesti e transgênero da lei. Trata-se do PL 2016/2019, de autoria do deputado federal Walter Alves (MDB-RN).


Articulação com parlamentares de direita e centro

A dificuldade da oposição em derrubar os decretos presidenciais que têm ampliado o acesso a armas e munição mostra o tamanho do desafio que parlamentares progressistas têm para convencer os colegas.

Bolsonaro conquistou maioria no Congresso em sua negociação com as siglas do Centrão e tem obtido vitórias em votações. Essas vitórias, porém, têm ocorrido no campo da agenda liberal, como na PEC Emergencial.

A pauta conservadora ainda não foi efetivamente testada, e militantes e parlamentares enxergam espaço para conquistar o apoio de legislaturas mais moderadas.

Segundo parlamentares da oposição ouvidas pelo Brasil de Fato, é possível manter diálogo e tentar o apoio de deputadas liberais, de direita e de centro, como as deputadas federais Carmen Zanotto (Cidadania-SC), Professora Dorinha Rezende (Democratas-TO) e Flávia Arruda (Partido Liberal-DF).

Na análise de Jolúzia Batista, essas parlamentares representam “partidos mais consolidados e com capacidade crítica de que a luta de não retroceder nas políticas de direitos das mulheres está acima de disputas ideológicas.”

No Senado, a parlamentar de centro apontada como a mais acessível é Leila Barros (PSB-DF). Ao Brasil de Fato, Barros optou por opiniar sobre projetos da pauta de costumes futuramente, quando a tramitação chegar ao Senado, mas defendeu que “o processo Legislativo deve respeitar as opiniões diversas e encontrar um caminho comum.”

Representatividade no Congresso Nacional

Apesar de serem 51% da população do país, as mulheres ainda têm baixa representatividade na Câmara dos Deputados. Há apenas 77 deputadas entre os 513 eleitos em 2018.

Na bancada feminina, há pouco mais de 25 deputadas que se identificam como oposição ao governo federal, segundo estimativa das parlamentares entrevistadas pelo Brasil de Fato.

Uma forma de driblar essa baixa representatividade está em uma estratégia de atuação política diluída entre movimentos feministas, como explica a deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG).

“Nós temos uma bancada feminina que, na maior parte das vezes, não tem conexão com a sociedade civil e as lutas das mulheres. Esse caráter de parceria com os movimentos vêm de uma construção feminista, que apenas uma parcela das deputadas assume.”

Em agosto de 2019, a parlamentares criaram a Frente Parlamentar Feminista e Antirracista da Câmara dos Deputados, com o objetivo de ampliar o diálogo com organizações e movimentos sociais.

Uma dessas “pontes” entre a sociedade civil e o parlamento é realizada pela assessora parlamentar Simony dos Anjos, antropóloga e integrante dos movimentos Evangélicas pela Igualdade de Gênero e Rede de Mulheres Negras.

Já no Senado, são 13 senadoras que compõem a bancada feminina, o equivalente a 14% do total de 81 parlamentares desta Casa.

“Nós, mulheres senadoras, estamos dando sequência a um trabalho iniciado pela Eunice Michiles, primeira mulher a assumir esse cargo no Brasil”, explica a senadora Leila Barros (PSB-DF). “Espero que cheguemos ao ponto de termos aqui no Parlamento o mesmo percentual de representatividade das mulheres na população brasileira.”

“Fazer política para mulheres em um ambiente predominantemente masculino é um desafio diário. Embora haja boa vontade dos homens com a pauta feminina, é difícil sermos 13 mulheres entre 81 parlamentares e fazer com que as nossas agendas avancem na velocidade que deveria”, pontua a senadora Leila Barros (PSB-DF)

Interlocução no Senado é desafio para feministas

Tanto Jolúzia Batista quanto Simony dos Anjos explicam que não possuem interlocução direta com as senadoras, apenas com as deputadas, com quem conseguem discutir propostas e participar da construção de projetos voltados aos direitos das mulheres.

Conseguir estreitar o diálogo e a parceria com as senadoras está entre os objetivos de deputadas que compõem a Frente Parlamentar Feminista e Antirracista. “Muitos dos nossos projetos que são aprovados na Câmara dos Deputados acabam engavetados na tramitação do Senado”, explica a deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA), da Frente Parlamentar Feminista e Antirracista.

“Estamos nos mobilizando para fazer mais contato com a bancada feminina do Senado. Vejo muita disposição das mulheres para articular essas políticas consensuais.”

As políticas consensuais às quais a parlamentar se refere dizem respeito à saúde da mulher, ao combate à violência contra a mulher, à violência doméstica e ao feminicídio, e são compostas também por iniciativas de ampliação dos espaços políticos ocupados por mulheres.

“Pautas como o combate ao câncer de mama, câncer do colo do útero e outras questões de saúde pública das mulheres acabam tendo maior apoio na bancada feminina”, explica a deputada.

A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) pontua que é preciso qualificar a presença das mulheres na política. “Não basta ter mais mulheres, a gente precisa ter mulheres que estejam comprometidas com a proteção dos direitos humanos, das mulheres, da democracia de forma mais ampla.”

Baseada em sua experiência de cerca de 40 anos na política, a deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) reforça a luta contra o conservadorismo.

“A mulher vivia na invisibilidade, vivia para o lar, para a família. Isso era dado como normal. A mulher precisa reivindicar mais espaços de atuação, fora do âmbito doméstico, para deixar de reproduzir na política o padrão machista dos homens que estão lá há muito tempo”, explica a ex-prefeita de São Paulo.

Marielle Franco inspira militantes feministas

As disputas travada no Congresso Nacional espelham as lutas de movimentos sociais, que buscam frear discursos de ódio às mulheres em espaços atravessados por interesses e valores de poucos indivíduos.

Conectando o trabalho nas esferas institucionais e a militância nas ruas, está a imagem de uma mártir da luta das mulheres, a ex-vereadora do PSOL pelo Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada a tiros, junto ao motorista Anderson Gomes, há três anos.

“O que aconteceu com Marielle nos faz pensar o quão perigoso é para a mulher negra, mãe e periférica, fazer uma política honesta no Brasil”, ressalta a antropóloga Simony dos Anjos. “Não podemos esquecer que Marielle também era a esposa de uma mulher, e isso é perturbador para o conservadorismo.”

Assim como Marielle, Simony dos Anjos escolheu militar para que mais mulheres tenham acesso a direitos.

“Mais do que frear, queremos propor soluções também”, afirma dos Anjos. “Quando essas parlamentares ecoam os discursos feministas dentro da Câmara, falam para diversas pessoas. Mais mulheres têm acesso ao nosso discurso.”

Moradora de Osasco, na periferia de São Paulo, essa feminista e cristã, como ela mesma se identifica, promove políticas para inverter o discurso conservador e fundamentalista que ainda predomina nas igrejas evangélicas. “A gente tem que conversar com as mulheres religiosas buscando entender o que elas precisam. A população brasileira é religiosa”, ressalta.

“Se você vai em uma palestra da Flordelis, da Damares, elas falam coisas que tocam, que movem mentes e corações”, afirma. “A esquerda e os feminismos, de modo geral, têm se aberto para o debate desde 2015, mas eu já fui chamada de tanta coisa por ser evangélica e feminista!”.

Sem comentários

Procurada pela reportagem do Brasil de Fato para dar mais detalhes sobre a defesa da agenda conservadora, a deputada federal Bia Kicis não quis dar entrevista. Tonietto também foi procurada, mas preferiu não se manifestar.

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