Processo trabalhista: Decisão do STF fere normas constitucionais e a dignidade de quem vive do trabalho
Em sua última sessão plenária, em 18 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão de enorme prejuízo para a classe trabalhadora. Mais uma vez o STF decretou a inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR) como critério utilizado para a atualização monetária dos créditos discutidos na Justiça do Trabalho. A decisão se refere às Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 58 e 59, ajuizadas no Supremo.
O problema, como mostra Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, começa com a decisão do relator ministro Gilmar Mendes, em estabelecer a taxa Selic como o critério a ser utilizado para essa correção de valores. Ela explica que a TR não pode mesmo ser usada porque não representa uma atualização monetária.
Além do que, “A TR está em zero faz tempo” e por isso, “se o processo judicial se referir a um salário de R$ 1.500 não pago em 2015, em 2021 o trabalhador receberá os mesmos R$ 1.500, tendo uma perda significativa no poder de compra”.
A modulação proposta por Mendes e aprovada pelo STF, porém, determina o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) durante o que chamaram de fase “pré-judicial” e a partir da citação do processo, a taxa Selic fica valendo para a necessária correção e atualização dos valores devidos.
Com essa decisão, no entanto, o STF “dá um recado social importante de que é melhor dever direitos trabalhistas, mesmo que a Constituição os determine como direitos fundamentais do Estado, do que dever para qualquer outro tipo de credor”, afirma Vânia.
Para ela, a decisão de impor a Selic – Taxa Básica de Juros, como determina o Banco Central – cria “um efeito material perverso porque desestimula o compromisso com os créditos, condição para a sobrevivência física do credor”. Isso porque os salários devem ser pagos em dia para quem os recebe ter condições de se alimentar, inclusive, por isso, são chamados de créditos alimentares.
“No âmbito processual, essa decisão é um verdadeiro boicote à própria existência da Justiça do Trabalho porque se não há a reposição efetiva da perda sofrida pela trabalhadora ou trabalhador, não há praticamente sentido em continuar buscando os créditos trabalhistas”, reforça.
Ainda mais “numa situação como a brasileira em que ajuizar um processo trabalhista é uma questão de coragem, principalmente após a reforma trabalhista (2017)”.
De acordo com ela, “existe todo um movimento, que aconteceu na década de 1990 e foi retomado com a ruptura democrática de 2016 para a extinção da Justiça do Trabalho. Não há como separar essa decisão do STF desse movimento”.
Além de ser contra a “própria existência da Justiça do Trabalho, em última medida, é um movimento de boicote à ordem constitucional, que coloca os diretos sociais e os direitos sociais de quem vive do trabalho no fundamento da República”.
O STF vai contra uma decisão do seu atual presidente, Luiz Fux, que em 2017 disse que “a atualização monetária dos créditos e direitos do credor deve refletir a condição exata de recomposição do poder aquisitivo decorrente da inflação do período sob pena de violar o direito fundamental da propriedade”. Porque isso pode favorecer o “enriquecimento ilícito do devedor”.
A sindicalista lembra que a Selic está em 2% ao ano enquanto o IPCA-E de 2021 está em 3,32%. O que já mostra uma diferença substancial na hora de correção monetária. De acordo com ela, é necessário a utilização de “índices que considerem a perda de valor do dinheiro, principalmente na Justiça do Trabalho porque os processos levam tempo para serem concluídos acarretando enormes perdas às trabalhadoras e trabalhadores”.
Do jeito que o STF decidiu, “os credores investem o dinheiro em aplicações financeiras e quando resolvem pagar os direitos trabalhistas já ganharam muito dinheiro com essas aplicações e quem depende disso para sobreviver sofre com a falta de pagamento e sofre novamente com a falta de atualização dos valores devidos”.
www.ctb.org.br / Marcos Aurélio Ruy