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/ domingo, novembro 24, 2024
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País rico, população pobre

O cartaz diz: "O sonho americano acabou"
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O cartaz diz: “O sonho americano acabou”

Sendo a maior economia do mundo, os EUA tem um dos níveis de pobreza e desigualdade mais elevados entre os países da OCDE, mas mais de um quarto dos 2208 bilionários do mundo

Por André Levy*

O relator especial das Nações Unidas Philip Alston irá apresentar ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a 21 de Junho, um relatório sobre a situação de pobreza extrema e direitos humanos nos EUA.

Nele descreve um país de enormes disparidades, onde numa das sociedades mais ricas do mundo existem 40 milhões de pessoas abaixo do limiar de pobreza 1, incluindo 18,5 milhões em pobreza extrema e 5,3 milhões em “condições de pobreza absoluta de Terceiro Mundo”.

Sendo a maior economia do mundo, os EUA tem um dos níveis de pobreza e desigualdade mais elevados entre os países da OCDE, mas mais de um quarto dos 2208 bilionários do mundo.

Segundo um relatório do Centro sobre Pobreza e Desigualdade da Universidade de Stanford, entre dez dos países ocidentais mais ricos do mundo, situa-se em último em termos de redes de segurança e desigualdade de rendimento e riqueza. Os EUA tem também uma das menores taxas de mobilidade social intergeracional entre países ricos, um contraste marcante face à promessa do Sonho Americano.

Quase uma em cada três famílias trabalhadoras têm dificuldades em ter acesso às necessidades básicas. O número de trabalhadores que precisam de subsídio para comprar comida tem subido, de 20% em 1989 para 32% em 2015. A situação nacional é espelhada na Walmart, cadeia de hipermercados e a número um na Fortune Global 500, a maior empresa mundial em termos de rendimento: muitos dos seus trabalhadores precisam de assistência alimentar mesmo trabalhando o tempo inteiro.

Refira-se ainda que esta companhia, a maior empregadora privada nos EUA e no mundo (com um total de 2,3 milhões de trabalhadores), foi também das judicialmente obrigadas a pagar mais dinheiro aos seus trabalhadores após roubo de salários e outros atropelos trabalhistas: desde 2000, um total de 1,4 milhões de dólares.

Um relatório da Reserva Federal dos EUA, publicado no início de junho, indica que mais de um quinto das famílias nos EUA não consegue pagar todas as suas despesas mensais; que um quarto das famílias não procura cuidados médicos por não os poder pagar; e que 40% não seria capaz de enfrentar uma despesa inesperada de 400 dólares.

Isto é, milhões de famílias não conseguem poupar. Enquanto 40% têm rendimentos familiares abaixo dos 40 mil dólares anuais, metade dos CEO das maiores empresas ganham mais do que isso por dia.

Enquantos os salários executivos têm crescido celestialmente, a valor real do salário mínimo federal (7,25 dólares por hora), ajustado para a inflação, é 67% do seu valor máximo em 1968.

Uma das lutas trabalhistas nos EUA tem sido precisamente a subida deste salário mínimo para 15 dólares/hora, e discute-se a ideia de um salário máximo. Refira-se ainda, embora representem metade da força de trabalho, as mulheres correspondem a dois terços dos trabalhadores a receber salário mínimo.

A situação de pobreza é particularmente grave entre as crianças, com um número crescente de pais solteiros que recebem baixos salários: entre 1995 e 2012, houve um aumento de 748% [sic] no número de crianças de mães solteiras a viver com menos de 2 dólares por dia.

Em 2016, 18% das crianças nos EUA viviam na pobreza. Destas, 36% eram hispânicas, 31% brancas e 24% negras. Em 2017, 21% dos sem-abrigo era crianças. A taxa de mortalidade infantil (5,8 mortes em cada mil nascimentos) é quase 50% acima da média da OCDE (3.9).

O relatório de Alston refere-se também as limitações dos direitos políticos, mencionado as elevadas taxas de abstenção (cerca de 45% nas eleições presidenciais de 2016), o acesso privilegiado dos mais ricos a lugares de representação política, mas também o elevado número de pessoas que nem estão registadas como eleitores (apenas 64% da população está registada).

Sublinha ainda como mais de 6,1 milhões de ex-presidiários que não podem votar, uma subida tremenda nos potenciais eleitores excluídos por condenação criminal face aos 1,2 milhões em 1976, atingindo em particular os negros (1 em 13), por contraste com os não-negros (1 em 56).

Note-se ainda que os EUA tem a maior taxa de encarceramento prisional do mundo. Aliás, 31 dos 50 estados tem taxas de encarceramento mais elevadas que qualquer outro país do mundo.

Os EUA lidera ainda na dimensão da sua população prisional feminina: com apenas 4% das mulheres mundialmente, possui cerca de 30% da população feminina encarcerada no mundo. O relatório fala no sistema judicial como efectivamente um sistema que reforça o ciclo de pobreza, enquanto gera rendimento para financiar o próprio sistema (e as associadas economias das prisões e fianças sistema prisional).

E refere-se à criminalização da pobreza: “a punição e encarceramento dos pobres é uma resposta distintamente americana à pobreza no século XXI. Os trabalhadores que não podem pagar as suas dívidas, os que não podem ter acesso a serviços privados de liberdade condicional, as minorias alvejadas por violações de tráfico, os sem-abrigo, doentes mentais, mais que não podem pagar pensão familiar e muitos outros são encarcerados. Encarceramento massivo é usado para tornar os problemas sociais temporariamente invisíveis e criar a miragem de que algo foi feito”.

Embora a presente situação, descrita no relatório, seja fruto de um processo que antecedeu a atual administração Trump, este não deixa de assinalar o corte fiscal de 1,7 bilhões de dólares (de dezembro de 2017), “beneficiando os ricos e agravando a desigualdade”, e sublinhar que “as políticas seguidas no último ano parecem deliberadamente desenhadas para retirar proteções básicas aos mais pobres, punir os sem emprego e mesmo tornar os cuidados médicos mais básicos um privilégio a ser ganho em vez de um direito”.

O relatório certamente chegará aos ouvidos da Casa Branca. Afinal, a Embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, tem sido uma grande crítica do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em Junho de 2017, Haley chegou mesmo a ameaçar retirar os EUA de novo do Conselho, caso não fosse retirada da agenda a persistente condenação de Israel.

* ator, ativista e biólogo

Fonte: Abril Abril

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