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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Reforma da Previdência cortou pensões e impacta viúvos e órfãos da covid-19

tragédia. Túmulos no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, no início da crise do novo coronavírus no país Foto: Divulgação
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Mais de 140 mil pessoas morreram por covid-19 desde o início da pandemia no Brasil. Junto com a dor da perda do ente querido vem a dor de cabeça para garantir a sobrevivência da família — situação que pode ser agravada pelas medidas da Reforma da Previdência que reduziram o valor pago por pensões.

E o grupo mais atingido pelas mudanças é o mesmo que sofre com a pandemia. Pessoas acima de 60 anos representam 72,9% dos mortos por covid-19, segundo dados do Ministério da Saúde do final de agosto.

“O impacto mais forte é justamente sobre a população idosa. Os mais jovens podem aferir renda trabalhando, mas o mercado de trabalho não absorve pessoas com 60 anos de idade ou mais”, afirma o juiz do Trabalho da 12ª Região, Carlos Alberto Pereira de Castro.

“Com a queda na renda causada por uma pensão menor, a pessoa pode ter que revisar seu padrão de vida. Com os gastos de alimentação, remédios, entre outros, pode não ter o suficiente para pagar o aluguel”, avalia.

E essas regras já estão valendo. “Quem morreu depois da Reforma da Previdência já está sob a regra nova”, explica o advogado trabalhista Ivandick Rodrigues, doutor em Direito do Trabalho pela USP e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Considerando que a grande maioria dos óbitos por covid não vem de lares mais ricos, com previdência privada e segurança financeira, o benefício do sistema de seguridade social é imprescindível. Vale destacar o timing: as mudanças nas aposentadorias e pensões foram promulgadas em novembro de 2019 e, em março deste ano, morreu o primeiro brasileiro por covid, em São Paulo.

Menor valor de pensão por morte pago à família

A Reforma da Previdência chancelou uma mudança realizada no governo Jair Bolsonaro que determina que a pensão paga a dependentes deve ser 50% do valor do benefício ao qual a pessoa falecida teria direito caso se aposentasse, mais 10% por dependente.

Ou seja, o beneficiário é apenas a esposa ou o marido? Receberá 60% (50% + 10%). Cônjuge e um filho de até 21 anos? 70% (50%+20%). Até chegar a 100%.

A situação complica mais um pouco se a pessoa que vier a falecer ainda não estiver aposentada. No final de agosto, 26,4% dos óbitos por covid-19 estavam entre 20 e 59 anos.

De acordo com a reforma, a pensão a ser paga à família de alguém que não está aposentado é proporcional à quantidade de anos trabalhados: de 60% da média de todas as contribuições mais 2% por ano a partir de 20 anos de contribuição (homens) e 15 anos (mulheres).

Ou seja, se um homem tiver 25 anos de contribuição, então a pensão é de 70% (60%+10%). E se uma mulher tiver 25 anos, então o valor é de 80% (60%+20%).

Se uma mulher perde o marido para a covid, mas ele tem “apenas” 20 anos de contribuição, receberia 60% da média de seu salário de contribuição. Contudo, há também a regra do redutor, de acordo com a quantidade de dependentes. Se for apenas ela em casa, receberá 60% dos 60%. “Ou seja, 36% da média do salário de contribuição do segurado”, afirma o juiz Pereira de Castro.

O valor mínimo pago é de um salário mínimo. O governo tentou acabar com esse piso, mas foi derrotado no Congresso Nacional.

Novo cálculo desvantajoso ao trabalhador

E aqui há um terceiro redutor. Antes da reforma, o cálculo da aposentadoria levava em conta a média dos 80% maiores salários — os 20% menores eram descartados na conta.

Com a mudança, a base de cálculo incluiu 100% das contribuições sobre salários recebidos desde julho de 1994, o que reduz o valor pago.

Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho, procurador do Trabalho da 2ª Região, mestre em Direito Previdenciário e doutor em Direitos das Relações Sociais, lembra que, antes, a família tinha direito à integra da aposentadoria recebida pelo segurado falecido ou, no caso de trabalhadores da ativa, à integra da aposentadoria por invalidez a que ele faria jus se estivesse vivo.

Ele também destaca que, antes da reforma, havia a chamada reversão de cota. Ou seja, se um dos dependentes alcançava a maioridade ou viesse a falecer, o valor relativo a ele não era descontado do montante pago à família. Agora, os 10% relacionados ao dependente deixam de ser pagos quando isso acontece.

Obstáculos para tratar a covid-19 como acidente de trabalho

Caso prove que a morte por covid decorreu de acidente de trabalho, a família tem o direito de receber 100% da base de cálculo, independentemente do tempo de contribuição ao longo da vida. Caso contrário, entra naquela fórmula de 60% mais 2% por ano de contribuição além dos 20/15 anos.

Em março, o governo publicou a Medida Provisória 927/2020, afirmando que a contaminação por coronavírus não seria considerada acidente de trabalho a menos que houvesse comprovação de que isso ocorreu por conta do serviço — o tal nexo causal.

Em abril, contudo, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a medida, tornando mais fácil a vida de trabalhadores e familiares.

O Ministério da Saúde publicou uma portaria no dia 1º de setembro, listando a covid-19 como doença relacionada ao trabalho. Mas a revogou no dia seguinte.

Pode ser preciso acionar a Justiça

De acordo com Ivandick Rodrigues, isso significa que para que uma contaminação por covid-19 seja considerada acidente de trabalho, a pessoa provavelmente terá que acionar a Justiça.

Isso dificulta a vida da família do trabalhador, uma vez que ela terá que saber que tem esse direito, procurar um advogado, ter recursos para tanto ou ir atrás da Defensoria Pública e ter “sorte” que o magistrado considere a sua demanda sem precisar recorrer a cortes superiores.

Alguns setores se tornaram focos de transmissão do coronavírus, como os frigoríficos na região Sul do país, de acordo com o Ministério Público do Trabalho, com centenas de contaminados por empresa. Nesse caso, a comprovação da causalidade é mais fácil. Em outros, tende a ser mais complicada.

Pensão por morte por menos tempo

Não há carência para recebimento da pensão por morte por quem contribuiu com o sistema. Ou seja, contribuiu algumas vezes, sua família pode receber. A questão é por quanto tempo.

Essa mudança não é da Reforma da Previdência, mas de uma legislação de 2015, tendo sido mantida pelo Congresso. Determina que a pensão cesse em quatro meses se o óbito ocorrer sem que a) o segurado tenha feito 18 contribuições mensais ou b) sem documentos de comprovação de que o casamento a união estável começou a pelo menos dois anos antes do óbito. Antes, bastavam documentos recentes para atestar a relação.

Ou seja, se a pessoa trabalhava em um mercado com carteira assinada há um ano e estava casado formalmente também há um ano e vem a óbito, seu companheiro ou sua companheira tem direito à pensão de apenas quatro meses. Mesmo que tenha vivido com a pessoa por mais tempo, mas não tenha como comprovar.

E mesmo garantidas as duas condições, as mudanças em 2015 limitaram, dessa forma, o tempo de pensão a: três anos, se o viúvo ou viúva tiver menos de 21 anos de idade; seis anos, entre 21 e 26 anos; dez anos, entre 27 e 29; 15 anos, entre 30 e 40; 20 anos, entre 41 e 43. Apenas se torna vitalícia se a pessoa já tem mais de 44 anos.

Se ficar comprovado que o óbito ocorreu por acidente de trabalho, daí a regra dos quatro meses não vale – apenas leva-se em conta a idade do companheiro ou companheira.

Redução da pensão por morte quando acumulada com aposentadoria

Outro ponto trazido pela Reforma da Previdência é a redução da pensão para o viúvo ou a viúva que já receba uma aposentadoria.

A pessoa pode receber ambos, mas o de menor valor será bastante reduzido. Paras o que ultrapassar, hoje, R$ 4.181, o redutor é de 90%. E o benefício de menor valor será integralmente pago se for de um salário mínimo.

Antes, a pensão era recebida na íntegra. E é proibido a acumular duas pensões por morte.

“Você tem um casal de idosos, com dois aposentados. Antes da reforma, a renda se mantinha. Agora, praticamente o valor da pensão por morte zera. Isso ignora custos fixos, infraestrutura básica de residência, que não é per capita”, afirma o juiz Pereira de Castro, que é um dos autores do livro “Comentários à Reforma da Previdência”.

“A covid vai impactar nesses casos. A população sem-teto tende a mudar de perfil.”

Dificuldade para quem recebe por jornada intermitente

Uma inovação trazida pela Reforma Trabalhista também traz uma dor de cabeça neste momento de covid: o trabalho intermitente.

Se um trabalhador em regime intermitente não conseguiu contribuir o equivalente a 7,5% de um salário mínimo (hoje, R$ 78,38) em determinado mês, esse período não será considerado para o cálculo da pensão.

O que pode levar sua família a receber um valor menor, por menos tempo ou nem vir a receber, considerando todas regras descritas acima.

Tudo isso aqui vale, claro, para trabalhadores com carteira assinada. Os milhões de informais que dependem do auxílio emergencial para sobreviver durante a pandemia estão fora – a menos que recolham por conta própria. O que, considerando sua situação econômica, raramente acontece.

A vulnerabilidade da situação das famílias dos trabalhadores informais mortos pela covid é, inclusive, um dos argumentos utilizados por deputados e senadores para reforçar a criação de um programa de renda mínima mais encorpado que o Bolsa Família.

Por fim, há também uma diferença entre rurais e urbanos.

A assessoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) afirmou à coluna que as mudanças não impactam tanto o valor recebido pelos trabalhadores rurais idosos, uma vez que a maioria já era beneficiária de pensões de um salário mínimo. Mas prejudicam viúvos e viúvas mais jovens que, contam com limitação de tempo de recebimento de pensão.

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