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/ sábado, novembro 23, 2024
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Experiência de equipes médicas evolui e salva cada vez mais pacientes de covid-19

Covid impõe desafios aos profissionais de saúde. - Carl de Souza/AFP
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Conhecimento adquirido sobre a doença avançou em tempo recorde e influencia queda nas taxas de letalidade

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Do atendimento prestado a pacientes com sintomas iniciais da covid-19 ao tratamento de casos mais graves, é possível dizer que a experiência adquirida por profissionais da saúde, cada vez mais, ajuda a salvar vidas. A afirmação se confirma na análise da taxa de letalidade no Brasil, que indica quantas pessoas infectadas pela doença evoluem a óbito. Esse índice, que já esteve próximo de 7% no país, hoje é de 3,1%.

Não há indicativos de que o vírus esteja circulando menos em território nacional e as taxas de isolamento, abaixo do ideal há vários meses, não justificam a mudança no cenário. Por outro lado, é fato que nos postos de saúde, hospitais, enfermarias, emergências e UTIs, os profissionais têm atuado de maneira inédita.

A agilidade na busca de soluções, tratamentos e técnicas que ampliem as expectativas de sobrevivência dos pacientes acompanha um movimento na ciência mundial que também nunca foi visto. Junto com a força de vontade e dedicação de quem está na linha de frente, as pesquisas evoluem em velocidade única.

“Em qualquer condição nova a gente tem uma curva de aprendizado que nesse caso teve que ser muito rápida. A agilidade dos estudos que foram feitos ao longo da epidemia ajudou bastante na construção desse conhecimento. Obviamente, a prática do dia a dia também vai trazendo algumas nuances a mais do cuidado. Certamente uma pessoa que interna hoje para ser tratada tem uma chance maior de ter um bom desfecho do que no início da epidemia”, afirma o infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, André Giglio Bueno.

A mudança nos tratamentos não ocorreu apenas para os pacientes com a forma grave da doença. Até mesmo para quem está com sintomas leves, foram estabelecidos novos protocolos que vêm ajudando a diminuir a evolução para casos mais graves. Um deles é a orientação para que, aos primeiros sintomas, a população busque ajuda em unidades de atendimento.

Inicialmente, a recomendação era para que cidadãos e cidadãs com a forma leve da doença permanecessem em casa, uma tentativa de evitar dar mais chance à propagação da covid-19. Agora, a percepção é de que os cuidados iniciais podem ser determinantes para evitar o agravamento da situação e para o andamento correto do tratamento.

De acordo com dados do Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE), o total de pessoas que buscaram o sistema de saúde com suspeita de covid-19 chegou a 3,3 milhões em julho. O número representa mais de 22% dos que tiveram algum sintoma. Em junho esse índice era de pouco mais de 19%.

“Essa orientação inicial tem ajudado bastante os pacientes que têm a doença a entender os pontos principais aos quais é preciso ficar atento. Quando eles recebem essa orientação presencial, com certeza aumenta as chances de adesão. Deixa a pessoa mais tranquila e preparada para conduzir a observação dela em casa”, ressalta André Giglio Bueno.

Outra mudança que trouxe resultados substanciais, principalmente em quadros de sintomas mais leves, foi o uso do oxímetro, aparelho que mede a quantidade de oxigênio no sangue. Ainda no início de 2020, equipes médicas começaram a notar que o comprometimento do pulmão em casos de covid-19, muitas vezes é silencioso e não causa falta de ar, condição chamada de hipóxia silenciosa. Os casos de pneumonia grave sem sintomas surpreenderam até mesmo profissionais com larga experiência na área.

O médico estadunidense Richard Levitan, que atuou no tratamento de pacientes em Nova Iorque no período mais crítico da cidade, publicou um artigo em abril apontando que o oxímetro podia indicar o problema de maneira simples e rápida. Certamente, ele não foi o único a perceber o potencial do aparelho. Hoje, o uso do oxímetro para pacientes com covid é consenso. Em algumas cidades, as prefeituras chegam a enviar equipes para fazer a medição na casa dos pacientes.

Para os quadros mais graves da doença, a mudança nos tratamentos também foi substancial, inclusive nos atendimentos em UTI. A adaptação veio em paralelo a um entendimento mais efetivo dos efeitos da doença no corpo humano. Inicialmente, o vírus era associado a lesões pulmonares, mas a ciência ainda não entendia os motivos que levavam ao agravamento dos quadros.

A partir da percepção de que a resposta de defesa do próprio organismo causava sintomas mais graves, um novo passo foi dado. A covid-19 passou a ser vista como uma doença de duas fases: virêmica e imune.

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“Foi o que assustou. Porque a gente começou a ver pessoas jovens, que não deveriam ter problema de infecção viral, começar a manifestar algo mais grave,” relata o médico Eduardo Sellan Lopes Gonçalves, que dirige a enfermaria dedicada à covid-19 no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC Unicamp).

Soluções criativas

O profissional usa o termo “assombroso” para classificar o grau de avanço dos tratamentos nesses menos de sete meses de presença do vírus no Brasil. “Com o passar do tempo, fomos vendo que talvez o que mudasse a mortalidade fosse intervir nessa segunda fase da doença. Não tanto de pensar no vírus, mas sim em controlar a resposta do sistema de defesa, para que essa resposta não fosse excessiva e levasse a sintomas piores”, completa Sellan.

Uma das mudanças mais importantes no tratamento de casos mais graves da covid-19 foi a adoção de técnicas menos invasivas do que a intubação. O uso de respiradores exige sedação do paciente e pode até mesmo ampliar as chances de pneumonia bacteriana. A substituição do aparelho por outras manobras veio acompanhada de soluções criativas e, muitas vezes, simples.

Uma delas, o ato de pronar o paciente, consiste em simplesmente mudar a posição do doente. De bruços ou de lado o sangue tem menos dificuldade de chegar ao pulmão o que evita o acúmulo de liquido na região. No Amazonas, um empresário criou uma espécie de cápsula de acrílico para acomodar pacientes e proteger as equipes. Uma ONG do interior de São Paulo adaptou máscaras de mergulho para ajudar os doentes a respirar.

Hoje, a gente consegue tirar do quadro de insuficiência respiratória sem serem intubados.

As máscaras reinalantes, evitadas inicialmente por temor de contaminação dos profissionais, passaram a ser usadas em leitos protegidos com bolhas de isolamento. A médica Karine de Almeida Araujo, coordenadora da enfermaria do Instituto Couto Maia, que fica em Salvador (BA), afirma que as formas menos invasivas de suporte respiratório beneficiam não só quem está em tratamento, mas também as equipes

“No início havia um estresse muito grande sobre como o paciente ia chegar e o que a gente ia fazer quando ele chegasse. O paciente chegava e a gente passava de um cateter de oxigênio simples direto para a intubação. A gente ficava angustiada, eram pacientes lúcidos e orientados.”

Karine considera que a adoção de procedimentos menos invasivos é um dos avanços mais expressivos no tratamento da covid-19. “Pacientes que chegam aqui hoje, a gente consegue tirar do quadro de insuficiência respiratória sem serem intubados. No início da pandemia isso não acontecia. Gerava uma angustia muito grande para gente porque o paciente, muitas vezes, chegava andando no pronto socorro.”

Receituário

Houve avanço ainda no tipo de medicamento usado para os sintomas. Os anticoagulantes passaram a ser ministrados para prevenir e tratar lesões e entupimento de artérias e veias. O corticoide dexametasona também representou uma notícia muito positiva para os casos mais graves, por atuar nas inflamações que o próprio organismo causa ao se defender da covid. Estudos indicam que a substância diminui de 20 a 40% dos óbitos.

Foi muito diferente do que a gente está acostumado a viver em medicina.

É certo que a experiência com a pandemia mudou também a relação das equipes com os pacientes. A covid-19 exige isolamento e afasta a presença física das famílias e amigos. Emocionada Karine conta que muitos pacientes chegam ao hospital em situação de pavor e o papel dos profissionais nesse cenário vai além das intervenções médicas. Diariamente, eles lidam com a solidão dos internados e com as próprias angustias e medos.

“A gente aprende a se colocar no lugar do outro. É difícil você sair disso tudo igual. Mudou até o nosso conceito de felicidade. No começo da pandemia, felicidade para mim era poder ter um abraço da minha família. Agora, estamos afastados das famílias, já que a gente está nessa, vamos nos dedicar aos pacientes.”

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Eduardo Sellan Lopes Gonçalves, do HC da Unicamp, também considera um desafio lidar com o afastamento e a solidão que a covid impõe, “a doença tem uma certa crueldade do ponto de vista do que a gente tem que fazer para evitar que outras pessoas peguem”.

“Alguém chega ao hospital com suspeita de covid, essa pessoa é internada, isolada da família e se mantem isolada por todo o tempo de internação. Ás vezes, você tinha pacientes que ficavam dois meses internados e a família ficava dois meses sem ver o paciente. Isso foi muito diferente do que a gente está acostumado a viver em medicina”, explica.

Ouvir o discurso de desinformação, que virou prática no governo federal, dá revolta.

Os profissionais da saúde do mundo todo têm se deparado com situações práticas e subjetivas inéditas para uma geração inteira. Na linha de frente, eles contam com os esforços de toda a sociedade e sabem que os avanços no tratamento não anulam o crescimento da pandemia no Brasil. Para controlar as infecções, cuidados como distanciamento social, higienização, uso de máscara e a adoção de medidas por parte do poder público são percebidas como essenciais.

“Boa parte das pessoas com quem a gente conversa tiveram alguma perda próxima”, relata André Giglio Bueno, da Puc Campinas. “Ouvir o discurso de desinformação, que virou prática no governo federal, dá revolta. Estamos numa situação difícil, dando o máximo para conseguir que todas as pessoas tenham as melhores condições possíveis e, por outro lado, que tem a responsabilidade de pelo menos transmitir a mensagem correta faz justamente o contrário. Para os profissionais da saúde é triste.”

www.brasildefato.com.br / Nara Lacerda

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