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Fome pode afetar 67 milhões de latino-americanos em 2030, alerta ONU

Moradores do bairro de Nueva Esperanza, em Lima (Peru), esperam por um prato de comida em frente a um refeitório comunitário, em 17 de junho de 2020.RODRIGO ABD / AP
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Projeções do relatório ‘Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo em 2020’ não consideram o impacto da covid-19

Em 2019, 47,7 milhões de pessoas na América Latina e Caribe passaram fome, ou seja, não conseguiram consumir as calorias suficientes para levar uma vida ativa e saudável. Foi o quinto ano consecutivo em que esse indicador cresceu na região, segundo o relatório intitulado Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo em 2020 (também conhecido por SOFI, sigla em inglês de “estado da insegurança alimentar”), divulgado nesta segunda-feira em Santiago (Chile) por diversas agências da ONU. Embora não leve em conta o impacto da covid-19, que teve consequências dramáticas nesta região, calcula-se que 20 milhões de pessoas a mais enfrentarão a fome dentro de uma década, ou seja: em 2030 ela afetará 67 milhões de latino-americanos.

“Os números da fome em 2019 são de arrepiar, como também o prognóstico para 2030”, disse nesta segunda-feira Julio Berdegué, representante regional da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), uma das organizações que elaboraram o relatório junto com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa Mundial de Alimentos (WFP) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). “Com o impacto da pandemia da covid-19, a realidade será pior que a que projetamos neste estudo. Precisamos de uma resposta extraordinária dos Governos, do setor privado, da sociedade civil e das organizações multilaterais”, acrescentou o diplomata mexicano.

Com essas cifras, a região não poderá cumprir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2: fome zero em 2030. “Estamos piores agora do que quando a região se comprometeu com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em 2015. Desde então, nove milhões de pessoas adicionais vivem com fome”, informou o chefe do escritório regional da FAO, com sede em Santiago.

Se atualmente a fome afeta 7,4% da população da América Latina e Caribe, a previsão é de que aumente para 9,5% em 2030. O relatório SOFI especifica também que esse aumento será mais intenso na América do Sul, chegando a 7,7%, o que equivale a quase 36 milhões de pessoas. Na América Central, subiria 3% na próxima década e chegaria a 7,9 milhões de pessoas. Embora se reconheça que o Caribe obteve avanços essenciais, tampouco cumpriria o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2, de fome zero até 2030. Para essa data, o estudo indica que haveria 6,6 milhões de habitantes dessa sub-região que não conseguiriam consumir as calorias suficientes para levar uma vida ativa e saudável.

Entre 2000 e 2014, a quantidade de pessoas com fome diminuiu nos 33 países da América Latina e Caribe que são membros das Nações Unidas: de 73 milhões de pessoas para 38 milhões. Foi uma época de crescimento econômico para a região e de uma decisão política muito forte de Governos nacionais que puseram o problema da alimentação entre suas prioridades. Em 2015, entretanto —o mesmo ano em que os chefes de Estado, reunidos na Assembleia Geral da ONU, adotaram a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável— começou o retrocesso. O desenvolvimento econômico se desacelerou e os programas sociais se enfraqueceram, de modo que em 2018 houve 43 milhões de pessoas sofrendo desse flagelo. Em entrevista ao EL PAÍS no começo de junho, Berdegué afirmou que por causa da pandemia “podemos ter na América Latina um retrocesso histórico na luta contra a fome”.

O estudo alerta, além disso, sobre o aumento da obesidade, que afeta 7,5% dos menores de cinco anos na região, um número “significativamente maior” que a média mundial de 5,6%. Não é estranho, considerando-se uma realidade que o SOFI cataloga como “preocupante”: a América Latina e o Caribe formam a zona do planeta onde é mais caro comprar uma dieta que cubra as necessidades energéticas mínimas: 1,6 dólar por pessoa diariamente. De acordo com o relatório, esta cifra é 34% mais alta que a média global.

Algo semelhante acontece com o custo de uma dieta saudável. O subcontinente é onde custa mais dinheiro manter uma alimentação que forneça todos os nutrientes essenciais e a energia que cada pessoa necessita para se manter saudável: 3,98 dólares por dia por pessoa. Esse dinheiro é mais do que o triplo que o que uma pessoa abaixo da linha de pobreza poderia gastar em alimentos diariamente. Segundo a renda média estimada pelo SOFI, mais de 104 milhões de habitantes da região não podem se permitir uma alimentação balanceada.

www.brasil.elpais.com/sociedade/ ROCÍO MONTES

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