Na madrugada de sábado (30), mais um jovem negro foi morto no Rio; testemunha afirma que tiro partiu de policial
No domingo (31), a manifestação Vida Negras Importam, em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro, lembrou os jovens negros mortos por policiais.
“A vida do meu povo importa porque eu não aguento mais chorar. O meu povo tem que continuar a viver e a gente está aqui para isso”, disse, em tom emocionado, Mônica Cunha, fundadora do Movimento Moleque.
O ato no Brasil foi anunciado enquanto manifestações nos Estados Unidos se intensificam cada vez mais. Os protestos ocorrem desde a morte de George Floyd por um policial em Minneapolis, na última segunda-feira (25) – na noite de sábado (30) ao menos 75 cidades registraram protestos que chegaram ao quinto dia consecutivo.
Além disso, no Rio de Janeiro, mais uma suspeita de morte de um homem negro pela polícia na madrugada de sábado (30) mobilizou a manifestação. Matheus Oliveira foi baleado na cabeça perto de um dos acessos ao Morro do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Moradores da comunidade confirmam que o tiro partiu de um policial. A PM afirmou que irá apurar as versões do caso.
Segundo familiares, Matheus Oliveira era barbeiro, moto-taxista e trabalhava para aplicativos de entrega.
A morte ocorre menos de duas semanas após o caso do menino João Pedro, 14 anos, que levou um tiro fatal na sua casa no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, durante uma ação conjunta da Polícia Civil e Polícia Federal no dia 18 de maio.
Os organizadores do protesto pediram que os participantes se comprometam em seguir as orientações de segurança sanitária. “Mantenha distância de 2 metros das outras pessoas, volte para casa depois do ato, não crie aglomerações, vá de máscara. Se for grupo de risco, não vá”, orienta o cartaz de divulgação.
Mudança de versão
Os três policiais civis investigados pelo homicídio deram novos depoimentos e mudaram as versões sobre as armas utilizadas na ação e a quantidade tiros disparados. No primeiro momento, haviam dito que foram 23 tiros durante a operação. Uma semana depois, admitiram que foram 64 disparos. A família de João Pedro afirma que contou mais de 70 marcas de tiros nas paredes da casa.
Outra mudança relevante no depoimento dos policiais é a afirmação de que os agentes também portavam outra arma durante a ação, um fuzil calibre 556. Esse armamento é apontado pela investigação como o utilizado para a morte de João Pedro, a partir de perícias realizadas no corpo da vítima — que revelaram que o tiro atingiu as costas do menino.
EUA em chamas
A onda de manifestações nos Estados Unidos vem ganhando tamanho e intensidade cada noite de protesto. Já são cinco dias ininterruptos de atos após a morte violenta de George Floyd por um policial que usou o joelho para asfixiar o pescoço da vítima contra o asfalto.
Segundo o jornal New York Times, pelo menos 75 cidades estadounidenses registraram protestos na noite de sábado (30). As cenas são chocantes, vídeos feitos pelos próprios participantes mostram muitos confrontos violentos contra a polícia e por vezes até com grupos contrários às manifestações pela morte de George Floyd.
Em memória de João Pedro: 800 organizações denunciam violência do Estado nas favelas
O jovem foi assassinado na segunda-feira, 18 de maio, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ)
O ato online nacional nas redes sociais pelo sétimo dia da morte João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, reuniu a família do jovem assassinado na segunda-feira (18), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, e diversos representantes de movimentos sociais e organizações que denunciam a violência do Estado nas favelas e nos corpos negros. Ao todo, 800 entidades participaram da mobilização organizada pela Coalizão Negra Por Direitos.
Neilson Costa Pinto, pai de João Pedro, abriu a manifestação virtual destacando a importância da luta por justiça. “É um momento que eu não desejo para ninguém, perder um filho é como perder a própria vida. O Estado é falido e sem responsabilidade nenhuma. Fazer o que fizeram com o meu filho e com outros filhos também, entrar no seu próprio lar e tirar a vida de um menino de 14 anos significa que o Estado é falido. E vamos lutar por justiça, é isso que esperamos, que a justiça venha a ser feita em nosso país”, destacou.
A mobilização contou com a participação de parlamentares, pesquisadores, jornalistas, artistas, militantes e mães que perderam seus filhos para a violência do Estado. Ana Paula Oliveira, moradora da favela de Manguinhos, que perdeu o filho Jonathan Oliveira Lima, de 19 anos, assassinado por um policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, com um tiro nas costas em 2014, alertou para a banalização das execuções de jovens negros.
“Precisamos tirar as pessoas das suas zonas de conforto porque parece que assassinatos de jovens negros, moradores de favela são como se nada estivesse acontecendo. Isso já vem de muito tempo e quais são as políticas feitas para garantir a vida dos moradores de favelas? Não vemos políticas públicas para garantir o direito dos moradores de comunidades e, muito menos, a vida dessas pessoas”, afirmou.
Do luto à luta
O movimento lançou o “Manifesto Luto em luta por João Pedro e todas as pessoas negras vítimas da violência do Estado” que, até a noite de terça-feira (26), contava com a assinatura de 766 organizações. No documento, as entidades participantes exigem respostas dos últimos crimes contra a vida cometidos em incursões policiais nas favelas e denunciam à organismos nacionais e internacionais as sucessivas violações de direitos cometida pelo Estado brasileiro.
“Denunciamos a ação internacionalmente, em pedido direcionado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que cobrem as devidas providências ao Estado brasileiro. Reivindicamos a identificação e responsabilização penal dos policiais envolvidos, além da criação de formas de controle para que essas ações não mais aconteçam”, aponta o documento.
O ato-denúncia do genocídio da população negra periférica contou ainda com a participação da jornalista Flavia Oliveira, da deputada federal Áurea Carolina (Psol-MG), da irmã de Marielle Franco, Anielle Franco, e da socióloga e ativista do movimento negro da Bahia, Vilma Reis, que alertou para a urgência da mudança da política de segurança pública brasileira.
“É sangue negro sendo derramado em todo o Brasil, não poupam as nossas vidas. Eles fazem a guerra deles, a guerra dos poderosos é paga com o nosso sangue. Nós nos levantamos para dizer: qualquer grupo que luta para chegar ao poder, a única possibilidade de diálogo com a gente é o fim da guerra às drogas, é desmilitarizar a polícia, parar as mortes e fim do encarceramento em massa”, ressaltou.
www.brasildefato.com.br / Jaqueline Deister | Rio de Janeiro (RJ)