EM DEFESA DO SUS
No início do mês de fevereiro circulou a notícia de que os chineses tinham construído, em apenas 10 dias, um hospital para atender mil pacientes, vítimas do Coronavírus. Tanto a imprensa quanto a maioria das pessoas associou isso a uma invejável eficiência do sistema de saúde chinês para lidar com a epidemia.
Quem conhece um pouco de saúde pública e saúde coletiva, sabe que em uma situação de epidemia como essa, a única coisa que de fato fará diferença no controle, na propagação ou no índice de efeitos e danos da doença é o enraizamento e a capilaridade do sistema público de saúde daquele país ou daquela localidade. E também sabe que tal enraizamento e capilaridade não conseguirão ser criados após a chegada da epidemia. Ou seja, é totalmente possível construir um hospital em 10 dias, mas não se pode, por exemplo, criar um SUS em 10 dias.
Claro que, dentro de um sistema de saúde, hospitais têm sua importância. Mas se fizermos o raciocínio sanitário correto, entendemos que uma boa capilaridade na atenção primária e na vigilância em saúde, em uma organização com cultura de saúde coletiva forte, reduz a necessidade de leitos em hospitais. Dizendo de outro modo, só se demanda por muito leito hospitalar quando a atenção primária e a vigilância em saúde não estão cumprindo adequadamente seus papeis.
O Coronavírus chegou ao Brasil em 2020. No entanto, graças à instituição do SUS pela constituição de 1988 e todo o trabalho de implantação das redes de atenção à saúde, com cobertura em todo o território brasileiro e ampliação continuada das ações e serviços de saúde feita desde então, nosso “remédio” e nossa “vacina” para o Coronavírus já estão prontos, ou pelo menos, já estão a postos.
Para nossa sorte, do mesmo modo que não se pode construir um SUS em 10 dias, não se pode desconstruí-lo em 10 dias. Isso implica no fato de que, mesmo a despeito de tudo que nosso sistema universal de saúde brasileiro tem sofrido de ataques, desmontes e desinvestimento nos últimos 5 anos e com todas as dificuldades que enfrenta, ele ainda funciona.
Eu sei que nesse momento, tomados pelo medo e pelo desejo de ajudar, a gente se dispõe a divulgar notícias, compartilhar receitas ou dicas das mais variadas. Mas isso, infelizmente, só ajuda a aumentar o risco de informações equivocadas, além de alimentar a histeria coletiva e a paranoia. Se você quer mesmo ajudar, defenda o SUS, assim como as instituições de pesquisa e Universidades que lhes são parceiras. Apesar de todo o desmonte sofrido, ainda temos excelentes profissionais (funcionários públicos, não parasitas) que sabem fazer seu trabalho com competência e dedicação. Ainda quero acreditar que, do nosso sistema de saúde público, gratuito e universal, sairão informações e dados confiáveis, para que sejam disparadas as orientações e as campanhas necessárias para proteger e cuidar da nossa população. Só o SUS tem a capilaridade e a força necessárias para tratar de forma eficaz uma epidemia como a do Coronavírus.
Portanto, não precisa invejar a capacidade dos chineses em fazer uma mega construção em alguns dias. Sinta sim orgulho pela capacidade que tivemos de construir, ao longo de 30 anos, um sistema público universal e gratuito de saúde para 210 milhões de habitantes, agregando neste tempo maturidade, expertise e uma cultura de saúde pública que realmente fará diferença diante do Coronavírus. Repito: o SUS é a única coisa que vai poder, de fato, fazer diferença nesse momento.
Torço para que o Coronavírus seja a oportunidade do SUS mostrar do que sua estrutura é capaz, torço para que ele ainda esteja suficientemente saudável para cumprir seu papel da melhor forma possível e, torço ainda, para que esta seja a oportunidade para a população brasileira compreender definitivamente sua importância, para não permitir que seja destruído.
Em tempo: o governo atual pretende mandar para o Congresso uma proposta de desvinculação de orçamento, que desmontaria o pacto constitucional de 1988. Isso pode encolher o investimento no SUS em mais de R$ 30 bilhões ao ano, sendo somado a tudo o que o SUS já vem perdendo nos últimos anos.
Mais arriscado que o Coronavírus é permitirmos que o SUS morra diante de nossos olhos!
#SomosSUScontraoCoronavírus!
#SUSénossopatrimônio!
Defendam o SUS!
Rita Almeida
Psicóloga/psicanalista, técnica da rede de saúde mental do SUS, doutoranda em Educação pela UFJF com o tema medicalização da educação. Artigo publicado no Jornal GGN, com modificações.